quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Vamos com calma...

Chegou o fim de mais um ano. Está na altura de brindar ao Novo Ano que começa e de comer as doze passas, enquanto se formulam os doze desejos, a que cada um de nós tem direito.

Os meus pedidos são quase sempre os mesmos e, a certa altura, no meio da confusão dos pensamentos, dos beijos e abraços dos cumprimentos, dos brindes com champanhe e de toda a parafernália de coisas que nos dizem que temos de fazer à meia noite em ponto, qual Cinderela fugindo... acabo por me transformar em gata borralheira e repetir pedidos, à cautela, não vá esquecer-me dalgum importante.

Mas este ano tenho um pedido novo. Um pedido que, até ao presente, nunca me passou pela cabeça e que, quem sabe, revele sinal de amadurecimento (sou tão serôdia...), vou pedir que o Novo Ano me empreste a capacidade de viver com mais calma. De dar tempo ao tempo, porque atrás do tempo, tempo vem (onde é que já ouvi isto?).

Quero ser mais contemplativa. Quero saborear as coisas com calma, apreciando todos os pormenores... Quero tirar o pé do acelerador.

Em suma, quero aprender a viver com mais serenidade, seguindo conselho que já ouvi a alguém, que nem me ocorre quem, mas que reza assim: "Vamos com calma...".

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

A injustificável obrigação de justificar

Justificamos o que se pode justificar e procuramos fazer crer aos outros e, mesmo, a nós próprios, que o que nos parece injustificável, se justifica.

Quando não haja justificação, inventa-se. Mesmo que seja justificação esfarrapada, o que interessa é justificar. E se a real justificação parecer pouco nobre, alegue-se melhor justificação (porque será que esta última ideia me fez lembrar a política?...). O que importa é justificar TUDO, mesmo a maior maldade, tem justificação plausível!?!?

Pois é, temos tanta dificuldade em viver com o que não podemos ou sabemos justificar, mas vivemos numa ordem social em que as opções políticas são tão mal justificadas...ui, lá me está a fugir o dedo para a política... (cheee, cheguem-me aí o lápis verde s.f.f.).

E, no mais, também justificamos tudo, porque o que não sabemos justificar, não podemos experimentar, tão só, porque não se justifica!

Viver, mesmo nas emoções, o racionalmente injustificado ou injustificável, é saír do trilho; ser diferente; meio louco até...

Justificar-se-á tanta justificação?

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Pensamento

Gosto de voar, mas não nasci alada.
Ao menos não tenho asas de carne, só de sonho.
Mas estas, que tenho, levam-me tão longe...
Apoucam-me a razão, fermentam-me a vontade.
Trava-me só o medo, nunca a racionalidade.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Confuso? Nem por isso.

Gostava que me gostasses, como gostaste quando eu não gostava.
Ou, então, gostava que me gostasses como eu gostei, depois de teres deixado de me gostar.
Mais gostava que me gostasses o que gostaste, quando eu e tu gostámos do nos gostar.
Mas chegava que gostasses o que eu gostei, depois de teres deixado de me gostar.
Mas gosto que me gostes como gostas, e gosto de te gostar como gosto.
E, sobretudo, gostava que sempre gostassemos de nos gostar, como gostamos, que é como sempre gostámos, mesmo quando não sabíamos que gostávamos.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

O Natal da fada sem dons

Sou fada pouco dotada. Não tenho poderes. Não tenho grandes domínios materiais que possa partilhar. Careço de cargo facultador de distribuição de benesses, que daria aos que entendesse mais precisarem. A minha varinha, já se viu, não faz magia, nada transforma, por mais que a agite...



Gostava tanto de dar no Natal... Mas não tenho nada de jeito que ofereça...



Usarei estratégia idêntica a Alguém que me respondia, há muito, à pergunta, O que me ofereces neste Natal?, "Dou-te-me". Vou fazer o mesmo. Não o direi a ninguém, mas o que vou oferecer neste Natal é oferecer-me. Dar-me o máximo que conseguir.



Para isso, farei as rabanadas e os sonhos. Prepararei as couves e as batatas, para cozer com o bacalhau. Acenderei a lareira. Vou distribuir sorrisos, tentando plantar boa disposição. Vou querer falar pouco e ouvir muito a quem quiser fazer-se ouvir. Chorarei com os que precisarem e gargalharei com os animados.



Vou dizer a todos o quão feliz me sinto por tê-los, por não me deixarem atravessar a vida e o Natal sózinha.

O que desejo oferecer é um Natal cheio de afectos, que gostava de estender a todos vós.

Deixem-me ficar neste ano!!!

Há tempos li um elogio a quem inventou a separação do tempo em tranches. De acordo com essa pessoa haveria vantagens em dividir o tempo, pela sensação de renovação que isso nos produz.

Assim, de acordo com o tal pensamento, começar um novo ano, significaria arrumar com tudo o que é velho e está gasto, para reiniciar (assim como fazemos aos computadores quando nos começam a apresentar mensagens de erro, que não conseguimos resolver), começar de novo, com esperança, com cheiro a novo...

Quando vi a ideia concordei, automaticamente, com ela. Passou-me de imediato na cabeça que sim, que era bom recomeçar, que o continuar, sem qualquer interrupção, é muito desgastante, mesmo cansativo. Começar a gastar um ano novo, pareceu-me, nessa altura, aliciante...

No entanto, deparo-me, agora, com perspectiva diferente. O que fazer quando antevemos vir a viver um ano novo pior do que aquele que acaba? Como podemos travar a mudança de ano, se nos queremos deixar ficar naquele em que estamos?

É que, fazendo a ponderação de tudo o que se passou no último ano, senti que não queria que ele mudasse.

Neste ano vivi tantas coisas boas. Conheci mais mundo, mais pessoas, reencontrei outras, cresci como pessoa, vi crescer os meus filhos e vi, ao contrário, o enfraquecimento da saúde dos meus pais, que me é tão doloroso e que, pressinto, o ano renovado só piorará...

Já não falando nas coisas de somenos que o novo ano agravará, como a economia que se degrada, os rendimentos que baixam, os impostos que sobem, a pobreza que aumenta, a incerteza quanto ao futuro... Mas, na verdade, o futuro sempre foi incerto e nem existe...

Deixem-me ficar neste ano! Prossigam os que quiserem mas, a mim, deixem-me ficar neste ano...

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

"Desta água não beberei"?

Nunca disse: "desta água não beberei", a minha mãe ensinou-me a não fazê-lo, parece que não se podia. Mas eu, em alternativa, adoptei expressões com significado idêntico, como:"antes a morte que tal sorte" ou "jamais, em tempo algum...".

Ao longo da vida tenho aprendido, com a experiência, que o melhor é mesmo não ter certezas absolutas em relação a, pelo menos, quase nada e não as ter, seguramente, quanto ao que poderemos, um dia, vir a fazer.

Lembro-me que na juventude massacrei um pobre rapaz, com quem tinha namorico, para o compelir a deixar de fumar (escuso de explicar o fundamento do meu pedido) e , quando finalmente o moço, face à minha insistência, largou o vício, apresentei-me eu a fumar. Está bem que tinha 18 anos, mas foi uma enorme idiotice...

Entretanto, com o passar dos anos, já fiz várias coisas que jurei antes nunca vir a fazer. Ultimamente mais sensatas, que não me parecem, ao contrário da que relatei antes, asneira. Pelo contrário, revelam geralmente, sinal de amadurecimento.

Uma delas, que foi a inspiradora deste escrito, posso experimi-la da seguinte forma:

Sentei-me, há pouco, no sofá encarnado da sala, aproveitando o silêncio da casa (já sairam todos para as suas obrigações) para dar mais um empurrão na apresentação em "power point", que usarei como suporte didáctico, na próxima semana, em Cabo Verde. Isto enquanto o fogão cozinha e as máquinas lavam.

Fazem-me companhia dois seres calmos, geralmente de movimentos graciosos, mas que agora estão parados junto a mim.

O Mew, de uma doçura sem tamanho, já me fez o seu cumprimento matutino habitual que consiste em, sempre da mesma forma, esperar que saia dos meus aposentos e, logo que me vê, acompanhar-me com os seus meigos miados, até que eu me disponha a baixar-me para o afagar. Aí descansa parando de miar e passando a ronronar, para depois me escoltar até eu abrir a porta do quarto da menina, e ele cumprir a sua função de despertador: com roçadelas, miados docinhos e ronronares, junto ao rosto dela, até que a menina se disponha a afagá-lo e a dizer-lhe, de forma tão meiga como a do gato:"Bom dia Miuzinho, a duninha já se levanta" (a menina diz que eu sou a dona e ela a duninha).

Mais tarde, o gato tomará o pequeno almoço, quando nós também o formos fazer, para depois brincar e dormitar.

O Lutchi tem outro carácter, é o "cusco", ao contrário do Mew que se esconde perante um desconhecido, este aparece e acompanha todos os movimentos do estranho. Faz o mesmo connosco, sempre a bisbilhotar. Neste instante está sentado encostado a mim, com as patitas dianteiras penduradas no meu braço esquerdo, a ronronar e a olhar-me fixamente, parece hipnotizado. O ronronar dele assemelha-se ao trabalhar de um motor.

Gosto tanto deles que há dias dizia que me ia casar com o Mew. Logo Alguém me respondeu, a sorrir: "Então casa, que eu arranjo uma gata... mas de duas patas..." (não achei graça).

Quem diria que eu que, do alto da minha racionalidade, tinha a arrogância de, no mínimo pensar, quando não dizer, que era preciso ter-se uma "grande panca" para tolerar, quanto mais amar, gatos... E aqui estão eles, os dois junto a mim, felizes, a transmitir-me a sua imensa serenidade.

Pois é, nunca disse "desta água não beberei", mas dizia:"JAMAIS, EM TEMPO ALGUM!". Não sabia nada...

Xiii, cheira-me a esturro. Lá se foi o almoço do rapaz. Droga! Tenho de lhe fazer outro.

Plim, plim, plim varinha faz o almoço do garoto!!! Nada, esta varinha deve ser "made in R.P.China", não funciona... SOCORRO!!!!

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Interior II - O casal

Ele alto e forte. Ela baixa e franzina.

Ele educado e culto. Ela simplória.

Ele contabilista. Ela costureira.

Ele do Sul. Ela do Norte.

Um casal diferente, como todos.

Tinham-se conhecido, 20 anos antes, em Angola. Ele, com 56 anos, estava viúvo e ela, com 30 anos, estava solteira.

O escritório ficava perto da alfaiataria e ele foi-a esperando à hora da saída, com a persistência suficiente para a fazer ceder a aceitar a boleia. O namoro foi curto. Casaram.

A lua de mel, dizia ela, consistiu em quinze dias consecutivos durante os quais a noiva não saiu do leito conjugal. Ali era servida por ele, de tudo o que precisasse.

Nós, as seis meninas da casa, ouviamos tudo o que ela agora nos contava. Ficávamos em silêncio, de ouvidos bem abertos. Depois, entre nós, quando nos reuniamos no nosso quarto, especulávamos, entre risinhos marotos, sobre o que lá se teria passado que justificasse tal reclusão da noiva. Acreditávamos que as razões tinham sido boas, pois a dona da casa contava-o com um misto de orgulho prazenteiro...

Apesar das suas diferenças, percebia-se que funcionavam bem no seu modelo de casal.

Tratavam-se com cuidado e atenção e respeitavam-se reciprocamente. Ela, dedicava-se-lhe cuidando-o, ouvindo-o com atenção e aderindo incondicionalmente às suas opiniões. Quase o adulava. Ele tratava-a respeitosamente.

Dela lembro-me das expicações rocambolescas que desenhava para as nossas maleitas- uma dor de garganta era explicada pelo chouriço que comemaramos na véspera e uma insdisposição digestiva resultava de uma corrente de ar... Coisas assim...

Já do senhor, muito mais inteligente, com um grande sentido de humor, recordo os serões em que adormecia no sofá em frente à televisão, enquanto assistiamos aos filmes que passavam na RTP, acordando depois do fim e perguntando, invarivelmente: "Já acabou? E então, a rapariga casou com o cavalo do rapaz?"

Digo que, garantidamente, a educação, a fineza, a delicadeza, o interesse, o afecto e a generosidade daquele senhor me marcaram para a vida.

Não me hei-de esquecer do dia em que completei 18 anos e, ao arrepio do habitual na casa, em que não havia o costume de se trocarem presentes de aniversário, ter encontrado em cima da minha cama um presente, oferecido por ele- um livro, "Quando os lobos uivam", de Aquilino Ribeiro.

Do mesmo modo, não me esquecerei de estar acamada, com gripe, fruto dos rigores do Inverno da zona, e de o senhor se ter preocupado comigo. Pela manhã, perante o meu estado febril, trouxe-me o pequeno almoço à cama, para que pudesse tomar a medicação. Não era costume.

Tinhamos todas o privilégio de sermos por ele paternalmente acarinhadas mas, julgo, perdoem-me a imodéstia, que eu era uma das suas predilectas. Parece-me que ele achava graça ao meu jeito de ser. Geralmente bem disposta, com sentido de humor e criando bom ambiente na casa. Comigo não havia divisões. Tinha ali amigas preferidas, mas relacionava-me sempre bem com todas e procurava diluir as intrigas que se iam criando. Além disso, beneficiava da circunstância de, sendo a mais nova que ingressei na casa, ser, em relação à idade, a mais adiantada nos estudos.

Na verdade, não sei as razões porque me sentia amada, mas sentia e isso era, e é, bom.

Hei-de contar mais coisas. Mas agora, vou-me estender uma "ropinha", expondo-me a um vendaval quase ciclónico. Ai, ai...

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

O prejuízo do pré-juizo

Questiono-me sobre o que já perdi na vida por me fechar ao mundo.

Acontece-me, com a maturidade, disponibilizar-me a conhecer coisas que rejeitaria, liminarmente, quando era mais nova e sinto que, com isso, tenho ganho. Mas, mesmo assim, ainda me vou recusando a fazer outras, com base no preconceito e, quase de certeza, perco ou, no mínimo, deixo de ganhar.

A este propósito, ocorre-me contar um episódio que experimentei, não há muito tempo.

Passava nas salas de cinema um filme cujo argumento me pareceu ridículo. Um bébé nascia velho e a sua vida evoluía no sentido da juventude. Acabaria na qualidade de recém-nascido ou, o que não deu para ver, como deseja Woody Allen, no seu "A minha próxima vida" passando "nove meses a flutuar num spa de luxo com aquecimento central, serviço de quartos à descrição e um quarto maior de dia para dia. E depois voilá! Tudo acaba com um orgasmo!!! ". Falo, já se aperceberam, do filme: "O estranho caso de Benjamin Button", de David Fincher.


Mas, como dizia, parecendo-me o argumento do filme um total absurdo, não equacionava a hipótese de gastar tempo e dinheiro numa sala de cinema a ver ridicularias.


Por conselho de uma amiga, dispus-me a fazê-lo.

Adorei. Enquanto assistia ao filme chorei "baba e ranho" e, no fim, vim encantada.

Claro que só ver aquele monumento humano que é o Brad Pitt, em ecrã gigante, já quase, só por si ,valia a pena... Mas, a sério, achei o filme, além de bonito (belíssima fotografia) filosoficamente genial.


Para quem não viu, resumiria a estória da seguinte forma. Uma criança nasce com caracteristicas de idoso (expressão facial, rugas na pele, etc.) e, à medida que o seu desenvolvimento avança, vai-se, progressivamente, tornando mais jovem , para finalmente se tornar um bébé, na fase em que o comum é atingir-se a velhice.


Para além de me ter chamado a atenção para a questão da real similitude, em muitos aspectos, da velhice com a infância (realidade que todos conhecemos), o espectáculo fez-me reflectir sobre a real importância de todos os que partilhamos, em simultâneo, esta vida, caminharmos na mesma direcção: da infância, para a velhice, passando por todos os estádios intermédios, juntos. Exactamente pela circunstância de nos podermos acompanhar experienciando situações similares.

É que, o personagem central, vivendo o tempo ao contrário, e aqueles com quem partilha a sua vida, passam por realidades ainda mais dificeis do que aquelas que conhecemos nas nossas vidas "normais". Estou a pensar, concretamente, numa das relações mais significativas que Benjamin tem, ao viver na sua juventude (a caminhar para a infância) uma maravilhosa relação amorosa, que se vai tornando impossível, à medida que o destanciamento etário evolui no sentido do afastamento dos dois amantes: ele cada vez mais jovem e ela cada vez mais idosa.

O personagem feminino morre, nessa altura já uma senhora anciã, e o masculino, então criança, entra num orfanato, por não ter ninguém significativo para o cuidar (nessa altura já não sabe quem é, nem de onde vem - parecido com a velhice, não é?).

Pude, ainda, analisar a estória sob outras perspectivas, como seja a da singularidade das relações humanas e da capacidade que elas têm de evoluir. O fogoso amor que uniu os dois personagens, transformou-se, progressivamente, num sentimento de terna protecção recíproca, quase até ao fim.

Por outro lado, deu-me para pensar que neste filme se trata também da peculiaridade de cada ser. Com efeito, a estória suscita esse aspecto ao acompanhar a evolução e as perspectivas daquele ser diferente e, embora não da forma que o filme demonstra, somos todos singulares, já no nascimento e depois, cada vez mais, pelo percurso que cada um faz. E eu acho isso fantástico. Embora não aprecie particularmente os exclusivos, já que são, por natureza, excludentes, adoro a originalidade de cada ser. Desculpem lá o egocentrismo: gosto mesmo de ser exemplar único!

As reflexões que um único filme, que eu tinha inicialmente excluido ver, me proporcionou...

Vêm por que digo que, muitas vezes, temos prejuízo por fazermos pré-juízos?

Arrisquemos. Ousemos ousar.








domingo, 5 de dezembro de 2010

O Paraíso

Tenho, para mim, que o paraíso é um lugar onde não há sofrimento, nem sacríficios.

No paraíso é tudo gozo, não sei se os que experimentamos na vida terrena ou, apenas, outros que a minha mente terráquea não consegue alcançar...

Mas imagino que o paraíso é todo forrado a gelado de côco e chocolate no Verão, lá do sítio, e bolo de côco, com molho de chocolate quente, no Inverno...

Ai que bom que vai ser!!!! Não se nota mesmo que me preparo para iniciar a dieta?

Oh Inferno terrestre!!!!

sábado, 4 de dezembro de 2010

Sensatez insensata, ou insensata sensatez?

Era uma vez uma pessoa muito sensata, que vivia sensatamente, rodeada de sensatos, no mundo da sensatez.

Um dia, a pessoa sensata, cruzou-se com uma pessoa insensata, que se mostrou sensata para iludir a sensatez da sensata que, por sua vez, se revelava insensata, tentando iludir a insensata, que se fazia passar por sensata.

Claro que a sensata sabia que a insensata, que se fingia sensata, também era, de facto, sensata. Da mesma forma, a insensata sabia que a sensata que se fazia insensata, era de facto um pouco insensata.

E nesta amálgama de sensatez e insensatez, simuladas e reais, as duas pessoas encontraram um ponto, o único ponto de equilibrio possível, em que se impunha uma sensata insensatez, ou, talvez, uma insensata sensatez. O que é que importa?

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Interior

Na entrada escura lobrigámos as escadas íngremes. Subimo-las lentamente, ao ritmo dos meus pais. O meu coração batia acelerado.

Dois lances e chegámos ao primeiro andar. No patamar havia duas altas portas de madeira, mas apenas um botão de campaínha que a minha mãe, decidida tocou fazendo-a emitir um som rouco. Estremeci.

Ouviram-se passos suaves, cada vez mais próximos até a porta se abrir. A minha mãe fez as apresentações: que eramos nós os que vinhamos recomendados pela prima. À dona da casa, pequena, magra, franzina, cabelos curtos e grisalhos e óculos, sobressaía um buço farto e escuro. Figura antipática, não esboçou sequer um sorriso, mas convidou-nos a entrar.

Mirei discretamente o local. Compreendi que a casa era antiga. Os tectos eram mais altos do que o habitual e mostravam bonitos trabalhos no estuque. O comprido corredor, ladeado de portas duplas, tinha termo numa porta de vidro de acesso à rua. Um espaço de quintal.

A minha mãe, sempre humilde e simpática, foi dizendo que sim, que sabiam que a casa era séria, pois se a prima a recomendara e ali tinha a sua própria filha. Só por isso ali me deixariam para poder prosseguir os estudos, já que o percurso diário entre a casa da familia e a cidade era impraticável, quase 40 Km de estrada sinuosoa, percorrida por caros e escassos transportes.

A dona da casa informou do preço e das regras. As meninas não tinham chave da casa. O quarto seria partilhado por três meninas, todas estudantes. Cada uma encarregar-se-ia de fazer a sua cama, cuidar da roupa e cozinhar para si própria. O jantar era às 20h, em família, na sala principal. Que havia uma escala indicadora das tarefas comuns - pôr e levantar a mesa, lavar loiça e fogão.

Enquanto falava dirigiu-se para a enorme cozinha, para a dar a conhecer. Achei o espaço estranho, muito diferente das outras cozinhas que conhecia. Tachos, panelas e frigideiras estavam expostos, na sua maioria pendurados, por cabo ou asa, nas paredes. Havia prateleiras, com outros utensílios de cozinha e compotas, emolduradas por fruta pendurada, peça a peça, por um fio preso ao caule. Maçãs e pêras às dezenas.

Fui ao quarto que habitaria, largar o saco de viagem, e ouvi o meu pai comunicar à dona da casa que me podia autorizar as saídas, fora das horas das aulas, por, dizia ele, ser coisa rara e se poder confiar em mim, pois eu era responsável (senti-me muito orgulhosa com o voto de confiança e, até hoje, nunca lhes dei a conhecer que o tinha ouvido, mas ainda ecoa). Em todo o caso, só com carácter muito excepcional e autorização expressa, após cabal justificação, a saída poderia ultrapassar as 21h - regra da casa.

Os meus pais despediram-se de mim com um beijo. A minha mãe, chorosa, fez as últimas recomendações e partiram.

Ficava entregue a mim própria. Tinha 15 anos e estava em auto-gestão.

Fiz a cama com os lençois que levara, arrumei as roupas nas gavetas e roupeiro, e sentei-me à espera. Esperava, mas não sabia o quê. Não conhecia ninguém, a cidade era-me igualmente desconhecida. Tinha de procurar o liceu, já que as aulas teriam início no dia seguinte e eu nunca lá tinha estado. Pedi indicações e segui-as.

Lembro-me de ter sido invadida por enormes sentimentos de solidão e tristeza, enquanto para lá me dirigia, a pé, atravessando um jardim...


Um dia conto mais. Agora tenho de ir ver se almoço, ai Jesus que vicieira de escrever coisas...

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Estupidifiquemos, pois

Fui surpreendida, há dias, em casa de amigos, por um espectáculo televisivo verdadeiramente degradante.

Já tinha ouvido falar no dito "Casa dos segredos", embora pouco, felizmente, mas o suficiente para saber que era coisa a evitar a todo o custo.

Os cerca de 20 minutos que gastei na observação daquele aquário, foram suficientes para sentir o meu coração apertadinho pelo sentimento de dó pelos participantes. Senti-me verdadeiramente compungida.

Naquele bocadito, deu para perceber que os que ali estão (ao que parece concorrendo a um prémio pecuniário) se encontram numa montra televisiva, durante 24 horas por dia, onde se expõem fisica e emocinalmente, a batalhões de sôfregos telespectadores que se entreteem com a vidinha alheia, em laboratório.

Aparentemente os concorrentes partilham o mesmo espaço para dormir e até o banho é exposto ao público.

Mas, como se o descrito não fosse suficientemente rasteiro, os ditos concorrentes são sujeitos a estímulos da produção do programa, que lhes vai impondo "actividades" (aquela a que assisti consistia numa sessão de "streep tease", depois de estarem com o espirito bem regado com bebidas alcoólicas), conseguindo criar verdadeiras bombas emocionais, com os consequentes comportamentos imponderados.

E o povo, alegre e contente, vai-se, assim, cultivando...

Valha-me S. Gervásio!!! Eu, que sou contra o lápis verde, chego a sonhar com ele.

Eu sei que o que acabo de dizer é uma heresia, mas como poderemos travar este tipo de indignidades e evitar a atrofia das mentes? É que aquela brincadeira não passa num qualquer canal de dificil acesso, não, é mesmo em canal aberto!

Já estou como dizia o outro: "a minha paixão é a educação"!!!

terça-feira, 30 de novembro de 2010

O Amor

O amor invade contra vontade,
O amor é ter para perder,
O amor ataca em qualquer idade.

O amor é mel,
O amor é fel.

O amor é paz,
O amor é guerra.

O amor é ledo,
O amor é medo.

O amor é dor,
O amor é gozo.

O amor é luz e escuridão.
O amor é arte, mesmo se parte,
Quando um diz sim e o outro não.

Diário de uma louca

Acordar,
duche,
vestir,
arrumar,
ordenar,
correr,
chegar,
trabalhar,
regressar,
cozinhar,
lavar,
escrever,
ler,
amar,
dormir.
Será isto a loucura?

domingo, 28 de novembro de 2010

"Ta'm e guilass"

Há pouco mais de uma década lutava, como louca, tentando salvar um barco de um naufrágio. A tempestade era tremenda. Temi, mas a esperança era maior que o temor. No entanto, mesmo com a guerra que fiz ao inferno, ele ganhou-me.

Mergulhei num caos de amargura, de dor, de desespero, de desnorte, de escuridão.

Perdi o meu sol e divaguei num mundo de trevas. Vivi a luta interna da contradição: sem pensar pôr termo à vida, quis morrer e não o queria; desejava viver, mas não assim, e a vida estava daquela forma! Melhor, no meu entender, era assim: pesadíssima, sem côr, provocando-me dores lancinantes.

Experimentei o terror de, ao contrário do que já me acontecera - acordar de um pesadelo - acordar para o pesadelo.

Percebi, então, que não tinha alternativa. A minha responsabilidade e amor por tantas pessoas que me queriam bem era muita. Tinha de sobreviver. Apenas sobreviver, sem gosto, com os olhos postos nos que me queriam e necessitavam (sobretudo os meus filhos).

Neste negrume, beneficiei da graça de ser rodeada de almofadas de afectos, que me iam amortecendo as várias quedas. Lembro-me de me encostar a paredes e deixar-me escorregar nelas, até me sentar no chão em pranto. Mas tinha sempre alguém. Se não ali, pelo menos à distância da marcação de um número no telemóvel.

Recordo-me das palavras de um grande amigo (incansável no apoio que me prestou), perante a minha afirmação de que o resto da minha vida seria necessariamente infeliz:" a sua vida será o que quiser e o que puder" e "quanto mais feliz for, mais feliz fará os que a rodeiam e amam".

Não me esqueço, igualmente, do dia em que outro amigo, de longa data, que se esforçava, em vão, por me fazer acreditar que a vida valia a pena, me aconselhou a ver um filme que passaria nessa noite na televisão.

Desconfiada, até por saber que no que respeita à sétima arte eu e ele não temos muito em comum (o meu intelecto não chega à profundidade do dele, por mais que escarafunche), mas simultaneamente desesperada pela necessidade de ver alguma luz, dispus-me a seguir o seu conselho.

O dito filme, do cineasta iraniano Abbas Kiarostami, fora galardoado com a Palma de Ouro de Cannes, em 1997. Titulo original : "Ta'm e guilass", traduzido para o português: "O sabor da cereja".

Foi difícil assistir àquele espectáculo monótono, quase sem côr, de argumento deprimente. O protagonista, o sr. Badii, percorria os arredores quase desertos de Teerão, ao volante de um jeep. Procurava, aparentemente, alguém. Várias pessoas entraram no carro, aproveitando a boleia, um soldado, um estudante de teologia, um operário, entre outros, a quem fazia um pedido: tinha decidido suicidar-se e precisava de alguém que, caso fosse bem sucedido, o enterrasse. Todos tentavam convencê-lo da importância da vida e recusaram a tarefa. O último, um idoso pobre, aquele que o meu amigo designava como o sábio, aceitou fazê-lo. No entretanto, foi-lhe contando a sua história de vida, revelando-lhe que já tinha pensado pôr termo à sua vida e que tinha sido salvo pelo sabor de uma cereja, questionando-o se conseguia imaginar o sabor de uma cereja...

Embora com dificuldade, por estar submersa numa profunda tristeza, percebi a metáfora, todavia sem esperança de voltar a provar o sabor da cereja...

Estava enganada. Desde então, no meio de amarguras, é certo, a vida já me ofereceu deliciosas cerejas e, pela experiência do sofrimento profundo, aguçou-me a capacidade de apreciar todos os cambiantes do seu sabor...

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

O efeito Mona Lisa e o seu contrário




Devia estar a trabalhar. Se devia. São 0h07m, hoje vai haver directa, para conseguir cumprir o prometido.

Mas, observando o quadro sobre a cabeceira da minha cama, uma simples reprodução, recuei no tempo e vieram-me à memória emoções que vivi e que, subitamente, me fizeram sentir necessidade de contar uma estória.

Não tenho consciência do momento em que soube da existência do célebre "Mona Lisa", de Da Vinci, mas sei que foi há muito. Desde muito pequena que convivi com uma reprodução dessa obra prima na sala da minha irmã. Um quadro enorme.

Mirei-o, demoradamente, várias vezes, no intuito de tentar perceber qual o primor da obra. Ignorante, nunca vislumbrei nada que me deslumbrasse de modo a justificá-lo. O sorriso da senhora? Que diabo tinha de especial o sorriso?

Mas era imponente, o quadro!

A primeira vez que pisei o Louvre tinha como principal objectivo ver: Vénus de Milo e La Gioconda.

Não me esqueço do que senti, quando finalmente me consegui abeirar da famosa pintura de Da Vinci (protegida numa caixa de acrilico transparente e rodeada de visitantes que se acotovelavam para a fotografar) - uma enorme decepção.

O quadro era mínimo, muitissimo mais pequeno do que a reprodução que me tinha feito companhia toda a vida.

Nos meus estudos nunca ninguém me referira o seu tamanho e a minha falta de investimento nessa área do conhecimento não me levara a saber nada, rigorosamente nada, sobre o quadro, salvo que fora pintado por Leonardo Da Vinci, no início do século XVI, sendo, talvez, o retrato mais famoso na história da arte, designadamente pelo sorriso tímido, enigmático e sedutor da retratada.

Soube mais tarde que o seu extraordinário valor resultava de muitos outros aspectos, como o facto de ter sido nesta obra que o artista melhor concebeu a técnica do "sfumato".

Claro que, já na altura, não desconhecia que o tamanho de uma obra de arte é irrelevante e que, assim, a circunstância de o retrato ter apenas 77 × 53 cm, contrariando a minha falsa ideia, era de desconsiderar completamente- mas foi uma frustração, o que é que hei-de fazer?

Emoção oposta tive quando observei "Der Kuss", de Klimt. Nunca tinha ouvido falar, nem no pintor, nem na sua obra. Ou, se tinha, já me tinha esquecido. Santa ignorância!

Passeava por Viena e depois de várias visitas, concretamente a museus, foi-me proposta a visita ao Belvedere. Era lá que se encontrava o "Der Kuss" de Klimt. Hein?! O que é isso? Pergunta que fiz de imediato. Resposta: "O beijo", o famoso quadro de um pintor austríaco nascido no século XIX , que pintou a dita obra já no início do século XX- Klimt. Ah, disse eu. A pensar de mim para comigo que lá ia "papar" mais um museu e ver mais um quadrito famoso, mas sem grande expectativa.

A experiência foi diametralmente oposta àquela que relatei do meu contacto com a obra de Da Vinci.

Visitava o museu, integrado num belíssimo palácio vienense, e estava encantada com os trabalhos artisticos que ali vi. Esperava que, entre eles, me aparecesse, a qualquer momento, o tal "O beijo". Um, entre muitos.

Mas não foi assim.

Depois de percorrer várias salas cheguei a uma, completamente escurecida. Entrei. Ao fundo estava a única obra de arte no espaço, ocupando uma parede inteira - aquela maravilha. Um quadro, aos meus olhos, gigantesco - 1,80mx1,80m - muito iluminado, com um brilho extraordinário e de uma beleza indizivel.

Fiquei imediatamente de boca aberta a observá-lo.

Que brilho, que luz, que cor, que colosso. E o beijo daquele casal, entre cascatas e tapetes de flores, num envolvimento apaixonado, quase fusional, pleno de latência sexual; sustendo-nos a tentar perceber onde começam e terminam os contornos do corpo de cada um, porque se confundem...

Demorei a fechar a boca e, só ao fim de alguns minutos, em êxtase, consegui dizer:"que lindo..., que lindo...".

Espero nunca me esquecer da sensação que então senti.

Comprei, no museu, uma grande reprodução, apesar de tudo, ao contrário da Gioconda da minha irmã, mais pequena do que o original. Emoldurei-a e com ela destronei o quadro que embelezava a cabeceira da minha cama, até então. Sempre procurara O quadro para ali colocar. Tinha-o encontrado, sem sombra de dúvida.

Não consigo imaginar nada mais bonito para ornamentar um quarto de casal.

Vou trabalhar.

Um dia, conto a experiência Van Gogh.

sábado, 13 de novembro de 2010

Puré de pensamentos

Na infância inventei uma fórmula para resolver todos os conflitos ideológicos que percebia na política nacional.

Teria 8 anos e não entendia porque tanto conflituavam os políticos. Se uns defendiam o comunismo, outros socialismo, centrismo, social-demcracia, ou lá o que fosse, para o nosso país, e já me tinha apercebido de que noutros países o quadro era idêntico, por que raio não se criavam países em que vigorasse exclusivamente determinada corrente ideológica e para lá emigrariam todos os cidadãos do mundo que à mesma aderissem? Tão simples. Os países seriam dimensionados à medida da quantidade de aderentes aos seus projectos políticos. Era só dividir o mundo com régua e esquadro (como já se tinha feito, na divisão de territórios de África).

Cheguei a veicular junto dos adultos da família a minha ideia brilhante, mas olhavam-me com um sorriso, respondendo que isso não era possível, mas não me explicaram porquê.

Tive de dar tempo ao meu cérebro para, pelas suas ligações eléctricas, ou lá como funciona, me fazer perceber da inexequibilidade da minha ideia de sonho. A solução, que me parecia simples, era afinal uma complicação: separaria amigos e familias (primeira dificuldade que antevi), e, mais tarde, percebi que os países do mundo interagem de diversissimas formas e que seria impossível criar países estanques. Compreendi, assim, que o meu projecto que visava aliviar conflitos e tornar todos felizes era, de facto, uma impossibilidade.

No entanto, mesmo nesta idade, gosto de dar espaço aos meus sonhos. E, na matéria em questão, gosto de sonhar que todos podemos trabalhar por um mundo melhor.

Um mundo em que as todas as pessoas possam ser amadas e, por isso, bem tratadas. Em que estejam assegurados o direito à vida; à liberdade; ao livre pensamento e respectiva expressão; à educação, ao trabalho; à não discriminação; ao auxilio na doença, no desânimo, nas fragilidades da vida - infância, velhice, enfim... ; à cultura; e à e ao...

Muitos destes direitos têm de ser assegurados pelos Estados (mas também por todos nós, dando-nos aos outros, oferecendo-nos com a imensidão de recursos que cada um de nós dispõe, e que são muitos).

Entristece-me perceber que a nossa velha Europa que, embora com excepções, se tem preocupado em assegurar aos seus cidadãos boa parte dos direitos que acima referi, esteja paulatinamente a abandoná-los, por alegadamente insustentáveis, ao mesmo tempo que se verga a países economicamente prosperantes, autênticas superpotências globais, mas muito à custa da violação dos Direitos Humanos mais básicos e pela prática de escandaloso dumping social, ao não assegurarem direitos sociais mínimos aos seus cidadãos- vide o caso da China.

Mas, mesmo assim, não desisto de sonhar com um mundo melhor, em que todas as pessoas serão mais felizes. Havemos de conseguir!

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Tolerados intolerantes

É consabido que viver em sociedade implica conviver com semelhantes e diferentes.

Usualmente, o convívio com os semelhantes é mais fácil mas, para mim, as diferenças são salutares por contribuirem para o alargamento de horizontes, ampliarem o conhecimento, serem facilitadoras da tolerância.

Estou em crer que o convívio com pessoas de várias culturas me tornou uma pessoa melhor, por ter contribuido favoravelmente no sentido da relativização das minhas crenças, das minhas certezas, pasme-se pela arrogância, às vezes absolutas.

Gosto de ambientes cosmopolitas, de me cruzar com tipos diferentes de pessoas. Essas diferenças, à primeira vista, manifestam-se geralmente pelo arranjo pessoal, mas às vezes doutros modos.

Lembro-me de me cruzar numa rua de Londres, simultaneamente, com uma figura, que presumo fosse mulher, coberta de tecido negro dos pés à cabeça, adivinhando-se apenas que via pela fenda aberta no tecido à altura dos olhos, e com uma jovem pernilonga de mini saia e collants rasgados, cabelos coloridos multicor (tótós rosa choque e franja verde alface). As diferenças entre nós as três fez-me sorrir e agradecer por experienciar o que tinha acabado de acontecer.

Recordo calcorrear a "Red line", em Amsterdão, observando montras de lojas com mulheres, ou seres que a estas se assemelham, em trajes menores e atitude provocante, procurando vender prazer sexual aos transeuntes. Também, neste caso, sorri, mas confesso que um tanto compungida, pela sensação,culturalmente imposta, de que o sexo com outrém deve estar aliado aos afectos das relações significativas. Limitações...

Penso ainda na enorme aprendizagem que, para mim, têm constituído as minhas deslocações a diversos países de África. Outro continente, outras culturas.

Tudo isto para dizer que aceito bem as diferenças culturais.

Mas aceito também as outras assimetrias, todas aquelas que não afectem a vida dos outros.

Ou seja, adiro incondicionalmente ao princípio segundo o qual "a nossa liberdade termina onde começa a do outro". É neste contexto que aceito com naturalidade as diferentes orientações sexuais. Nem é bem aceitar, é mais considerar natural.

Em nada me afecta, nem me parece que afecte a sociedade em geral, que A ou B usem a sua vida sexual como bem entendem. Pelo contrário, se a felicidade de certa pessoa passa por abster-se de ter vida sexual activa, ter vida sexual com uma ou mais pessoas do mesmo sexo, de sexo diferente, ou de um e doutro sexo, de que me posso ou podemos queixar, se o fizerem de livre vontade?

Reconhecem-se socialmente, há muito, direitos e deveres aos pares de sexo diferente que resolvam formalizar a sua ligação. Estou convicta de que o reconhecimento de direitos e deveres iguais aos pares de mesmo sexo, que vivenciem situações similares, é um avanço civilizacional.

O que não posso aceitar, sem protesto, é que alguns resolvam expressar a sua orientação sexual através da demonstração de práticas sexuais em público, sejam gays, lésbicas ou hetero. Repudio com toda a veemência as atitudes de um grupo de gays e lésbicas que, num país em que os seus direitos são protegidos, ofendem a moral pública em pseudo-resistência à visita do Papa a Barcelona, independentemente de concordarem, ou não, com as posições a respeito da matéria que a Igreja Católica, legitimamente, defende.

Não se pode permitir que sejamos afrontados por nenhuma espécie de intolerância, incluindo aquela em que os que, com propriedade, têm exigido tolerância se transformam em repugnantes intolerantes!

O colorido da futilidade

Há alturas em que gosto de cultivar o meu lado mais fútil.

Nesses dias, reservo um bocadito de tempo para me juntar às minhas queridas amigas. Uma vez juntas, suspendemos o profissionalismo, a erudição, as coisas sérias da vida e pimba, caímos directamente naquela conversa fofa: "esse verniz é tão giro, qual é?" e a outra "é o Preguicinha da Risqué". Ou , então, assim: "Meninas, venham ver as botas que comprei, não são demais?" e as outras:"Sim, são muita giras!!". "Esse corte de cabelo é o máximo! Onde é que cortou?". E outras coisas que tais, como cremes, maquilhagem, pedicure ou depilações.

Enfim, fazemos uma espécie de "brainstorming" à volta dessas matérias, geralmente incompreensíveis para o género masculino, mas que nos fazem tão felizes e tão intimas!

Orgulho-me de todos os meus amigos, homens e mulheres. Todos têm um papel singular e muito importante na minha vida.

Mas só com as amigas, amigas do peito, partilho esta dimensão do meu ser. São assuntos tratados com gosto. Usamos total franqueza e verdade, sabendo que genuinanamente nos gostamos, nos aconselhamos, nos apoiamos, sem cinismos, com verdadeira amizade.

"Meninas, meninas, venham cá, quero mostra-vos uma coisa...". trot, trot, trot (tudo a correr) "Uau que máximo!".

É tão boa esta partilha!

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Bora lá ser feliz?

Os tempos são azedos. Poucas coisas correm bem.

Somos invadidos, a toda a hora, por notícias aterradoras: conflitos armados; violações de Direitos Humanos; escravatura; pobreza; economia desastrosa (por gestão desastrada).

Ser feliz, neste quadro, é quase imoral.

Depois há as nossas vidinhas pessoais que também nos presenteiam com contrariedades: a saúde, nossa e dos nossos, que já conheceu melhores dias; a máquina de lavar roupa que avariou; o filho que, mais uma vez, chegou atrasado à aula; as contas que não param de aumentar; o trabalho que correu mal e - perdoem-me a leviandade da trazer à colação assunto tão mesquinho- até o Benfica perdeu 5-0, frente ao FCP.

Ser feliz, nestas circunstâncias, pode ser difícil, mas não é impossível.

Com a vida, aprendem-se alguns truques (e não são mágicos) para (já não digo alcançar) tocar a felicidade. Os meus são estes:

1- Aceitar que há muitos acontecimentos que ultrapassam o nosso entendimento e a nossa possibilidade de intervenção;
2- Agir de acordo com a nossa consciência nos grandes e nos pequenos assuntos;
3- Dedicarmo-nos sobretudo àqueles para quem assumimos especial relevância, mas usar sempre muito cuidado com todos aqueles com quem interagimos, sobretudo os mais frágeis;
4- Procurar ser afável em quase todas as situações da vida (reservar o nosso veneno para situações estritamente necessarias-geralmente residuais);
5- Amar e permitir que nos amem , sem medo (o amor, ao contrário dos bens materiais, aumenta na proporção em que se dá);
6- Não desesperar (a maioria das vezes, mesmo as maiores dificuldades ultrapassam-se se usarmos as nossas "armas" emocionais e cognitivas);
7- Rir (sobretudo de nós próprios);
8- Apurar todos os sentidos e abrir o coração para conseguir ver e sentir o bom e o belo.

Todos estes truques são condensados numa amálgama, que consubstancia uma atitude face à vida. Depois é só aproveitar.

Ainda assim, aparecerão momentos muito amargos, mas sempre mitigados pela certeza de que os outros, os felizes, reaparecerão.

domingo, 7 de novembro de 2010

A insustentável leveza do disparate

Lá no fundo, gostava de acreditar que aqueles que se dedicam à actividade política são os melhores do grupo, a nata da nata, daí a respectiva dedicação à direcção dos assuntos públicos.

Mas tenho ouvido cada uma... que fico a pensar que não pode ser assim. Não, não pode ser. Estes não podem ser os melhores de nós! É que, têm-se dito coisas que eu, moça calma, ao ouvi-las chego a ficar com arritmia.

Podia discorrer a este propósito em muitas páginas de prosa, mas evocarei aqui apenas alguns exemplos que, de repente, me ocorrem, não vale a pena dizer muito, afinal trata-se do meu país e não sou propriamente masoquista.

Começo pela falta de nível de muita da linguagem utilizada no parlamento, nada dignificante. Lembro, também, uma declaração ao país de um alto responsável político, a propósito de umas alegadas escutas, num discurso incompreensível, independentemente da eventual razão na questão de fundo. Passando por outro que afirmou, com a maior desfaçatez, que não havia qualquer relação entre ética e política!?!?

Recordo o deputado que declarou que pertencia a uma das classes profissionais que seria a mais prejudicada com os cortes que se avizinham nos salários dos funcionários públicos...Ou, ainda, do político, supostamente de esquerda, que, num momento em que se perspectivam tempos dificílimos sobretudo, como sempre, para os mais desfavorecidos, não tem pejo em dizer que o povo tem de sofrer, como sofre o governo.

Como é isto possível?

Centro-me na última. O povo tem de sofrer como sofre o governo? Esta parece-me uma declaração grave, comparável, em imoralidade, à que se imputa (ao que parece sem consistência histórica) a Maria Antonieta, quando, no auge da Revolução Francesa, levada a cabo por um povo na miséria em oposição à opulência dos poderosos, disse que, se o povo não tinha pão, que comesse "brioche".

Se precisam, como dizem, de pedir sacríficios, façam-no. Melhor, exijam-no, face ao poder que detêm.

Mas, tenham decência!

sábado, 6 de novembro de 2010

Yep, LOL, ROLF, WTF e afins ;)

Sou uma fada moderna. O que é que julgam?

Em pouco tempo modernizei-me. Aprendi e passei a usar uma linguagem inovadora que circula nas conversações dos chat, na internet.

Há que ser moderno. Não tenho nada que "dar bandeira". Ah pois é!

Quando era adolescente usava linguagem cifrada com as amigas, para os adultos não perceberem, ficarem "a Leste", como nós diziamos. Para tanto usavamos a linguagem dos "pês".

Em que é que consistia? Dizer as palavras em português, mas entrecortadas entre sílabas, repetindo-se a silaba precedida pela letra P, no caso de se iniciar por vogal. Caso a sílaba iniciasse com consoante repetia-se, também , mas, neste caso, substituindo a primeira consoante pelo P, a não ser que a consoante da dita sílaba fosse o P, situação em que se repetia a sílaba, simplesmente.

Confuso, não acham? Não se esforcem, passo a exemplificar: "Eupeu espestoupou fupuripioposapa porporquepe epelepe mepe menpentiupiu!".

Quase ninguém entendia isto, salvo a nossa interlocutora que entendia perfeitissimamente que o que tinha sido dito era:"Estou furiosa porque ele me mentiu!". Claro que este exercício dava treino aos neurónios, se vissem a velocidade com que falávamos...

Agora não. A malta não complexiza, pelo contrário, simplifica! E não se pretende linguagem cifrada, mas sim Universal.

E esta faducha que eu sou já aprendeu umas coisitas. Tenho tido bons professores e, ultimamente, tenho ido aos treinos. Ora tomem lá exemplos das novas "expressões" (na maioria siglas) de uso corrente nas conversas da rede, acompanhadas da respectiva explicação:

Yep - sim
LOL- Laughing out loud
ROFL - Rolling on floor laughing
WTF - What the fuck
BRB - be right back

:) - sorriso
;) - piscar o olho
:( - tristeza
:3 - ternura

Vá, estão lançados. Façam-se à vida, naveguem e bons encontros.

Quem é amiga, quem é?

BRB

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Nós, gatos e laços

Cresci numa cidade, vivendo num apartamento em que a única excepção à impensável presença de animais de estimação foi a coabitação com o Chiquinho, um canário amarelo, que alegrava a casa com o seu cantar.

Lembro-me bem que outros contactos com bichos na infância nem foram positivos -uma dentada de um cão numa perna, em ataque surpresa quando me dirigia para a catequese (nem Deus me valeu!!!).

Mais tarde, na adolescência, tive uma relação especial com o cão Tobi. Pertenceu à familia, então a viver na aldeia, onde eu só passava os fins de semana, e o cão, com a alegria de me ver chegar, atirava-se-me com tal força, que por pouco não me fazia aterrar a mim e aos meus sacos.

Passei décadas sem convivio regular com animais. Transformei-me em citadina azeda, tecendo criticas, pela incompreensão, aos que gostavam ou sequer toleravam a presença de animais de estimação em apartamentos.

Não que fosse muito escrupulosa nas questões da higiene. Na verdade, sempre achei que o que se suja também se limpa e não me foco propriamente nos pormenores, ao ponto de um pêlo de cão ou de gato no chão, no sofá, ou mesmo na cama, constituirem, para mim, um problema. Não, não era isso.

A minha intolerância resultava mais de um certo comodismo. De perceber que ter animais de estimação exige de nós cuidados. É preciso alimentá-los, tratá-los, cuidá-los... Pensar o que fazer-lhes nas férias...

E, embora, conhecedora de teorias de psicólogos, segundo as quais os animais de estimação têm efeitos positivos no desenvolvimento das crianças e até no tratamento de certas patologias, sempre achei:"está bem abelha...". Na verdade, não vislumbrava qualquer gratificação que justificasse as obrigações decorrentes da presença de bichos.

Foi preciso ter-me sido implorada, durante anos, ao menos a presença de um gato na casa (face à minha intransigência relativamente à hipótese de ter um cão), para permitir o acesso à nossa vida destes dois felinos, que aqui vivem há pouco mais de um ano.

Faltava-me aprender.

A delicadeza do seu afecto é incomensurável. Sem pedir nada, roçam-se-nos, afagam-nos, lambem-nos, aquecem-nos e nós, todos nós, retribuimos com gratidão a felicidade que eles nos proporcionam.

Voltei a ser radical. Agora não para rejeitar a ideia de ter animais de estimação. Ao contrário, já não concebo a minha vida sem gatos!!!!

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

FarmVille e Orçamento de Estado 2011

Ando cá a pensar o que poderei eu fazer para dar uma ajudinha no cumprimento do malogrado OE para 2011, além da parte do meu salário de que já me dispus a prescindir.

O que me preocupa é não ter ainda percebido qual o mistério económico que o Engº Sócrates e o Prof. Teixeira dos Santos ainda não nos revelaram, que permitirá aumentar exponencialmente as exportações no próximo ano. Terão descoberto o tal petróleo no Beato? Ou querem exportar a penúria?

Chega, chega, meus amigos, não me batam mais, eu bem sei que não percebo nada de Economia, mas mesmo uma fada loira, como eu, tem cá as suas cogitações...

Depois de voltas e voltas à minha cabecita eis que tive uma ideia, assim a varinha me ajude no seu cumprimento. Passo a expôr:

Tenho assistido, com preocupação, aos desperdicios de produtos agricolas por quintas e quintas que grassam por esses país fora. Não raro, recebo mensagens insólitas, do tipo: "não me mandem mais vacas, pois tenho as vacarias cheias"; "dou porcos"; "colmeia cheia, não me mandem mais abelhas" e assim. Exactamente, adivinharam, falo da produção da "FarmVille".

Ora, munida que estou de varinha, vou a ela recorrer para ajudar na exportação de tanta produção!!! Tenho é de ter cautela, não vá a varinha actuar além fronteiras e estragar-nos o negócio, pelos excedentes que se produziriam a nivel mundial.

Ai, ai, esta minha cabeça tonta...

Mas, se calha, aproveitando as sinergias de tanta vizinhança em tarefas igualmente viciantes, mas produtivas, a coisa vai lá...

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

PRAGMATISMO

Plim, plim, plim..

Pragmática, varinha, pragmática, transforma-me em pragmática!!!!

Não. Não funciona. A minha varinha não consegue o que a minha natureza não lhe impõe.
O pragmatismo deve ser bom: Levantava-me e fazia o que tinha de ser feito.

Faria sempre, sempre, o que tinha de ser feito. Coisas práticas da vida, estão a ver?

Arrumava, lavava, passava,cozinhava, guiava, pensava, reunia, recorria, alegava, resolvia, dormia e outras coisas assim...práticas! Com uma atitude assim a vida rendia... dava tempo, apertadinho, é certo, mas dava tempo, pronto!

Mas não. Tenho a mania de, além de tudo o que disse, dar espaço aos miolos que, em lugar de me empurrarem para o almejado pragmatismo, me desviam por caminhos da fantasia, da imaginação, da ilusão e depois pronto, dá nisto.

Em vez de ser, como devia, uma senhora de meia idade atinadinha, de comportamento expectável, sou assim, como sou!

Varinha... Varinha...pragmática, varinha, pragmática!!!

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Dedilhar

Voltei.
A minha quase imobilidade impõe-me, nos bocadinhos serenos, ocupação para a mente.
Que faço eu? Leio, escrevo, jogo Sudoku (estou a melhorar os meus tempos na categoria "especialista"), faço "crochet" (estou a fazer um cachecol de lã, exactamente da cor que queria e que não encontrei à venda em nenhuma loja) e hei-de pegar nuns trabalhitos de costura que estão ali para fazer.
Voilá. Tudo vantagens de ter nascido mulher numa sociedade ocidental, no fim do século XX, com acesso à leitura e a todos os horizontes que ela proporciona e, ainda, com o cheirinho da educação ancestral de pais beirões tradicionais em que a educação feminina passava, também, pelo bordar, coser, tricotar e, digo eu, "crochetar".
Na minha vida normal nunca me presenteio com os deleites dos lavores. Não há tempo. Há que fazer escolhas e, não são, de todo, a minha primeira escolha no lazer. Mas, nos tempos parados das várias cirurgias que já cá cantam (quatro, fora as cesarianas) gosto de me ocupar a fazer esses trabalhos manuais. Descontraem e vejo belíssimos resultados, de que me orgulho.
Claro que há poucos mortais, além de mim própria, a valorizar as, talvez, centenas de horas, que passei para fazer a barra em crochet para um lençol. Mas que me importa? Só o prazer que tive em fazê-la e que tenho agora ao olhar para ela...
Hi,hi,hi aposto que se algum letrado ler estas linhas vai pensar que sou mesmo jarreta. Alô???? E sou mesmo, mas não me importo!!

Logo, se as dores me deixarem, vou ler mais um bocadinho do 1822, para ver se me cultivo...

Bye.

Fadas e duendes

Na infância deixei de acreditar em fadas muito cedo, se é que alguma vez acreditei. Precisei de ultrapassar a barreira dos 40 para as reencontrar, ou reconhecer.

Será que existem fadas? Hoje não tenho dúvidas: Existem, sim!

O mundo está cheio de fadas e duendes que pairam por aí. Tenho a sorte de ter encontrado, ao longo da vida, muitas fadas e duendes.

Por enquanto sem particularizar, penso em todos quantos me têm amado, protegido, aconchegado.
A todos os que me abraçaram nas lágrimas, me trataram na doença, me acompanharam a solidão.

Não são esses as fadas e duendes? Para mim sim.

sábado, 30 de outubro de 2010

Quarto dia de pós operatório.

Felizmente sinto-me um pouco melhor.
Já vivi o suficiente para perceber que, enquanto estivermos, atrás de um dia outro dia virá. Sempre renovado.