sábado, 29 de janeiro de 2011

Interior III - A casa

Além do cão e do senhor, tudo, tal como a palavra, era feminino na casa.

Naquela casa enorme pululavam mulheres: a dona da casa; nós, as seis meninas (às vezes eramos sete); a costureira, que trabalhava para a dona da casa; a menina (com mais de 60 anos), que vinha engomar a roupa dos senhores e as clientes, as inúmeras clientes que, num corropio, entravam e saíam, povoando o ambiente com a vaidade feminina em provas de fatos e vestidos, durante as quais davam dois dedos de conversa sobre o que se ia passando na cidade e nas suas vidas.

Umas, mais reservadas, limitavam-se a dar o seu assentimento à continuação do trabalho de costura nos moldes em que estava e, depois de se despedirem, saiam. Outras, mais exigentes, miravam-se bem miradas no espelho e pediam correcções e correcções às vestimentas de forma a que lhes realçassem a formosura ou disfarçassem as imperfeições. Geralmente eram estas, as que soltavam a lingua para os casos que mais nos interessavam. As que contavam estórias gulosas, de amores e desamores, de casos, de intimidade. Sim, nós, as meninas, não apreciávamos particularmente o trivial, queriamos era ouvir o que nos enchia os ouvidos e a imaginação, para mais tarde comentarmos em privado, entre risinhos nervosos e ahhs, com a mão a tapar a boca.

Bastava uma, só uma, ter estado presente no momento da confissão da cliente, para a estória ser usada para o nosso património comum da coscuvilhice. O gozo que tirámos do conhecimento da noite de núpcias da Sra. D. G, no seu segundo casamento, em que o marido foi capaz da façanha de repetir o acto um número impressionante de vezes. A basófia da senhora alimentou os nossos risos e comentários, à janela da casa, quando viamos o casal dirigir-se, de braço dado, para a pastelaria que ficava do outro lado da rua. Ela grande e possante, ele mais pequeno e franzino e nós a duvidar das proezas que ela lhe imputava...

A costureira que trabalhava para a Dona da casa era uma jovem silenciosa e infeliz. Durante os três anos em que vivi na casa, acompanhei uma fase importante do seu percurso de vida. Namorou, casou e foi mãe. Apesar de tantos acontecimentos significativos, nunca a vi entusiasmada. Ali estava, sentada num mocho baixinho, junto à janela, sempre curvada sobre as peças de roupa que tinha no regaço, a dar pontos. Pouco sorria e ficava chocada com os nossos entusiasmos adolescentes. Não me hei-de esquecer o dia em que, à hora do almoço, corri para a televisão da sala, dando um beijinho no ecrã, num tal actor que, à época, achava lindo (não faço ideia de quem se tratava), e de ela me ter olhado com ar de censura.

O casamento era péssimo, passava as noites sózinha, enquanto o marido se perdia em copos para chegar, já de madrugada, embriagado. Ela alimentava-se da relação com o filho que sobreveio, com quem partilhava uma televisão que ela adquirira com o seu próprio dinheiro e na qual o marido estava proibido de tocar, podendo apenas olhá-la se tivesse sido ela a ligá-la.


Posto isto, esta fada vai grelhar o peixinho para o almoço e depois afundar a cabeça a estudar. Sim, na próxima semana vou ter 30 horas, isso mesmo, 30 horas para falar de "O Direito Aduaneiro e a sua relação com os demais ramos do Direito" aos senhores assessores do Ministro da Finanças da Guiné-Bissau. Pois é, África espera-me outra vez, a não ser que ainda oiça, durante esta semana, um: "desqueci-me", vindo de lá. Vamos ver.

Obrigada por me lerem e pela generosidade dos vossos elogios, meus queridos leitores. "A casa" continuará...

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Egoísmo

Não é por te querer, que te quero.
E não te quero, tão pouco, pelo bem que te quero.

Quero-te por me querer.
Quero-te pelo bem que me quero.

Sem querer querer-te, quero-te para que me queiras.
Mas, creio que te quero por me querer.
E nunca te dou nada, sem querer receber.

Dou-te-me, sem nada te dar.
E não é uma dádiva,
É só um trocar.

domingo, 16 de janeiro de 2011

Era o que faltava!!

Sou rapariga flexivel, plástica, elástica, adaptável, mas esta já é demais! Soube, agorinha mesmo, que anda para aí um americano, armado em Galileu Galilei, a mudar a ordem aos Astros!

Ora, eu que sempre fui orgulhosamente sagitariana vejo-me agora nestes assados, porque resolveu aparecer um tipo, com explicações científicas, a dizer que não senhor, que o meu signo não é o Sagitário, que afinal sou Escorpião. Ora bolas! Então e só agora é que avisam?

Anda a malta há q'anos a saber do seu destino e a planear a sua vida, sempre em erro! Ah pois, é que esta brincadeira, ainda por cima, tem efeitos retroactivos.

Já se sabia que, nos tempos que correm, não se pode confiar em nada, nem em ninguém, mas mudarem-nos o signo?

Acabaram-me com o Plutão e já não achei graça, porque dei por mal empregado o tempo em que andei a empinar a ordem dos Planetas do Sistema Solar. Agora veem-me com esta?

E, como se não bastasse, ainda há p'raí entendidos a afirmar peremptoriamente que não, que fica tudo na mesma, que os movimentos dos astros já estavam a ser considerados, blá blá blá...

Querem ver que agora tenho de ler as previsões astroológicas de dois signos ao início de cada dia? Sim, porque não há posições ecléticas...

Estou mesmo a ver o filme: Sagitário-" o amor está auspicioso e o trabalho conhecerá dias dificeis. Cuidado com os gastos excessivos" . Escorpião - " Evite conflitos com o seu companheiro. No trabalho finalmente verá o seu esforço reconhecido e quanto a dinheiro deixe-se de forretices."

E eu faço o quê?? A média, é?! Só me arranjam problemas!

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Há fadas e fadas

Há fadas e fadas...
Há fadas boas, que o são,
por fazerem do sorriso
a varinha de condão.

E, sem outra magia,
têm gestos de encantar,
escondendo com o riso
a vontade de chorar.

Às vezes são fadas que,
nascendo malfadadas,
cumprem fado pesado.

Sabem o que dói a dor, mas
transformam-na em amor,
que vão deixando espalhado.

17.09.2010 - 04h20
sobrevoando o Continente africano, altitude: 37000 pés

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

A vida é injusta (almatriste)

Há um ditado popular segundo o qual:"cada um tem o que merece". Não posso estar mais em desacordo. Na verdade, a vida não é nada justa.

Muitas vezes os mais malvados são afortunados e os mais bondosos azarentos. E tão triste que isso me põe...

Não me estou a queixar pessoalmente, cá vou tendo as minhas sortes e azares, como muitos...

Do que me queixo é de me faltar amor-próprio suficiente para não me importar com o desprezo dos outros. Isso é que me dói.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Vida Nova ?

Dantes acreditava, ou procurava acreditar, na máxima:"Ano Novo Vida Nova". Sempre no pressuposto que a vida nova era sempre melhor que a anterior.

Depois, passei a acreditar que as mudanças são progressivas e que, consequentemente, a mera mudança da página no calendário, alterando o ano, era irrelevante. O que de bom ou mau acontece e nos acontece; o que conseguimos ou "desconseguimos" (neologismo de Mia Couto, que adoro) não está relacionado com a circunstância de estarmos no ano x ou y. Os acontecimentos sucedem-se, em muitos casos sem entendermos a sua razão.

Até que, de repente, me apanhei a valorizar a mera passagem de ano. A considerar que, afinal, mudar a página pode significar muito.

De facto, parece-me que com entrada em vigor do OE para 2011, muitas alterações se produzirão. Eu não quero parecer catastrofista, mas antevejo que este ano e os que o sucederão, não auguram nada de bom.

Só espero que, como se diz (julgo que Einestein), a crise seja uma oportunidade para o desenvolvimento...

A ver vamos...