quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Vamos com calma...

Chegou o fim de mais um ano. Está na altura de brindar ao Novo Ano que começa e de comer as doze passas, enquanto se formulam os doze desejos, a que cada um de nós tem direito.

Os meus pedidos são quase sempre os mesmos e, a certa altura, no meio da confusão dos pensamentos, dos beijos e abraços dos cumprimentos, dos brindes com champanhe e de toda a parafernália de coisas que nos dizem que temos de fazer à meia noite em ponto, qual Cinderela fugindo... acabo por me transformar em gata borralheira e repetir pedidos, à cautela, não vá esquecer-me dalgum importante.

Mas este ano tenho um pedido novo. Um pedido que, até ao presente, nunca me passou pela cabeça e que, quem sabe, revele sinal de amadurecimento (sou tão serôdia...), vou pedir que o Novo Ano me empreste a capacidade de viver com mais calma. De dar tempo ao tempo, porque atrás do tempo, tempo vem (onde é que já ouvi isto?).

Quero ser mais contemplativa. Quero saborear as coisas com calma, apreciando todos os pormenores... Quero tirar o pé do acelerador.

Em suma, quero aprender a viver com mais serenidade, seguindo conselho que já ouvi a alguém, que nem me ocorre quem, mas que reza assim: "Vamos com calma...".

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

A injustificável obrigação de justificar

Justificamos o que se pode justificar e procuramos fazer crer aos outros e, mesmo, a nós próprios, que o que nos parece injustificável, se justifica.

Quando não haja justificação, inventa-se. Mesmo que seja justificação esfarrapada, o que interessa é justificar. E se a real justificação parecer pouco nobre, alegue-se melhor justificação (porque será que esta última ideia me fez lembrar a política?...). O que importa é justificar TUDO, mesmo a maior maldade, tem justificação plausível!?!?

Pois é, temos tanta dificuldade em viver com o que não podemos ou sabemos justificar, mas vivemos numa ordem social em que as opções políticas são tão mal justificadas...ui, lá me está a fugir o dedo para a política... (cheee, cheguem-me aí o lápis verde s.f.f.).

E, no mais, também justificamos tudo, porque o que não sabemos justificar, não podemos experimentar, tão só, porque não se justifica!

Viver, mesmo nas emoções, o racionalmente injustificado ou injustificável, é saír do trilho; ser diferente; meio louco até...

Justificar-se-á tanta justificação?

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Pensamento

Gosto de voar, mas não nasci alada.
Ao menos não tenho asas de carne, só de sonho.
Mas estas, que tenho, levam-me tão longe...
Apoucam-me a razão, fermentam-me a vontade.
Trava-me só o medo, nunca a racionalidade.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Confuso? Nem por isso.

Gostava que me gostasses, como gostaste quando eu não gostava.
Ou, então, gostava que me gostasses como eu gostei, depois de teres deixado de me gostar.
Mais gostava que me gostasses o que gostaste, quando eu e tu gostámos do nos gostar.
Mas chegava que gostasses o que eu gostei, depois de teres deixado de me gostar.
Mas gosto que me gostes como gostas, e gosto de te gostar como gosto.
E, sobretudo, gostava que sempre gostassemos de nos gostar, como gostamos, que é como sempre gostámos, mesmo quando não sabíamos que gostávamos.

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

O Natal da fada sem dons

Sou fada pouco dotada. Não tenho poderes. Não tenho grandes domínios materiais que possa partilhar. Careço de cargo facultador de distribuição de benesses, que daria aos que entendesse mais precisarem. A minha varinha, já se viu, não faz magia, nada transforma, por mais que a agite...



Gostava tanto de dar no Natal... Mas não tenho nada de jeito que ofereça...



Usarei estratégia idêntica a Alguém que me respondia, há muito, à pergunta, O que me ofereces neste Natal?, "Dou-te-me". Vou fazer o mesmo. Não o direi a ninguém, mas o que vou oferecer neste Natal é oferecer-me. Dar-me o máximo que conseguir.



Para isso, farei as rabanadas e os sonhos. Prepararei as couves e as batatas, para cozer com o bacalhau. Acenderei a lareira. Vou distribuir sorrisos, tentando plantar boa disposição. Vou querer falar pouco e ouvir muito a quem quiser fazer-se ouvir. Chorarei com os que precisarem e gargalharei com os animados.



Vou dizer a todos o quão feliz me sinto por tê-los, por não me deixarem atravessar a vida e o Natal sózinha.

O que desejo oferecer é um Natal cheio de afectos, que gostava de estender a todos vós.

Deixem-me ficar neste ano!!!

Há tempos li um elogio a quem inventou a separação do tempo em tranches. De acordo com essa pessoa haveria vantagens em dividir o tempo, pela sensação de renovação que isso nos produz.

Assim, de acordo com o tal pensamento, começar um novo ano, significaria arrumar com tudo o que é velho e está gasto, para reiniciar (assim como fazemos aos computadores quando nos começam a apresentar mensagens de erro, que não conseguimos resolver), começar de novo, com esperança, com cheiro a novo...

Quando vi a ideia concordei, automaticamente, com ela. Passou-me de imediato na cabeça que sim, que era bom recomeçar, que o continuar, sem qualquer interrupção, é muito desgastante, mesmo cansativo. Começar a gastar um ano novo, pareceu-me, nessa altura, aliciante...

No entanto, deparo-me, agora, com perspectiva diferente. O que fazer quando antevemos vir a viver um ano novo pior do que aquele que acaba? Como podemos travar a mudança de ano, se nos queremos deixar ficar naquele em que estamos?

É que, fazendo a ponderação de tudo o que se passou no último ano, senti que não queria que ele mudasse.

Neste ano vivi tantas coisas boas. Conheci mais mundo, mais pessoas, reencontrei outras, cresci como pessoa, vi crescer os meus filhos e vi, ao contrário, o enfraquecimento da saúde dos meus pais, que me é tão doloroso e que, pressinto, o ano renovado só piorará...

Já não falando nas coisas de somenos que o novo ano agravará, como a economia que se degrada, os rendimentos que baixam, os impostos que sobem, a pobreza que aumenta, a incerteza quanto ao futuro... Mas, na verdade, o futuro sempre foi incerto e nem existe...

Deixem-me ficar neste ano! Prossigam os que quiserem mas, a mim, deixem-me ficar neste ano...

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

"Desta água não beberei"?

Nunca disse: "desta água não beberei", a minha mãe ensinou-me a não fazê-lo, parece que não se podia. Mas eu, em alternativa, adoptei expressões com significado idêntico, como:"antes a morte que tal sorte" ou "jamais, em tempo algum...".

Ao longo da vida tenho aprendido, com a experiência, que o melhor é mesmo não ter certezas absolutas em relação a, pelo menos, quase nada e não as ter, seguramente, quanto ao que poderemos, um dia, vir a fazer.

Lembro-me que na juventude massacrei um pobre rapaz, com quem tinha namorico, para o compelir a deixar de fumar (escuso de explicar o fundamento do meu pedido) e , quando finalmente o moço, face à minha insistência, largou o vício, apresentei-me eu a fumar. Está bem que tinha 18 anos, mas foi uma enorme idiotice...

Entretanto, com o passar dos anos, já fiz várias coisas que jurei antes nunca vir a fazer. Ultimamente mais sensatas, que não me parecem, ao contrário da que relatei antes, asneira. Pelo contrário, revelam geralmente, sinal de amadurecimento.

Uma delas, que foi a inspiradora deste escrito, posso experimi-la da seguinte forma:

Sentei-me, há pouco, no sofá encarnado da sala, aproveitando o silêncio da casa (já sairam todos para as suas obrigações) para dar mais um empurrão na apresentação em "power point", que usarei como suporte didáctico, na próxima semana, em Cabo Verde. Isto enquanto o fogão cozinha e as máquinas lavam.

Fazem-me companhia dois seres calmos, geralmente de movimentos graciosos, mas que agora estão parados junto a mim.

O Mew, de uma doçura sem tamanho, já me fez o seu cumprimento matutino habitual que consiste em, sempre da mesma forma, esperar que saia dos meus aposentos e, logo que me vê, acompanhar-me com os seus meigos miados, até que eu me disponha a baixar-me para o afagar. Aí descansa parando de miar e passando a ronronar, para depois me escoltar até eu abrir a porta do quarto da menina, e ele cumprir a sua função de despertador: com roçadelas, miados docinhos e ronronares, junto ao rosto dela, até que a menina se disponha a afagá-lo e a dizer-lhe, de forma tão meiga como a do gato:"Bom dia Miuzinho, a duninha já se levanta" (a menina diz que eu sou a dona e ela a duninha).

Mais tarde, o gato tomará o pequeno almoço, quando nós também o formos fazer, para depois brincar e dormitar.

O Lutchi tem outro carácter, é o "cusco", ao contrário do Mew que se esconde perante um desconhecido, este aparece e acompanha todos os movimentos do estranho. Faz o mesmo connosco, sempre a bisbilhotar. Neste instante está sentado encostado a mim, com as patitas dianteiras penduradas no meu braço esquerdo, a ronronar e a olhar-me fixamente, parece hipnotizado. O ronronar dele assemelha-se ao trabalhar de um motor.

Gosto tanto deles que há dias dizia que me ia casar com o Mew. Logo Alguém me respondeu, a sorrir: "Então casa, que eu arranjo uma gata... mas de duas patas..." (não achei graça).

Quem diria que eu que, do alto da minha racionalidade, tinha a arrogância de, no mínimo pensar, quando não dizer, que era preciso ter-se uma "grande panca" para tolerar, quanto mais amar, gatos... E aqui estão eles, os dois junto a mim, felizes, a transmitir-me a sua imensa serenidade.

Pois é, nunca disse "desta água não beberei", mas dizia:"JAMAIS, EM TEMPO ALGUM!". Não sabia nada...

Xiii, cheira-me a esturro. Lá se foi o almoço do rapaz. Droga! Tenho de lhe fazer outro.

Plim, plim, plim varinha faz o almoço do garoto!!! Nada, esta varinha deve ser "made in R.P.China", não funciona... SOCORRO!!!!

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Interior II - O casal

Ele alto e forte. Ela baixa e franzina.

Ele educado e culto. Ela simplória.

Ele contabilista. Ela costureira.

Ele do Sul. Ela do Norte.

Um casal diferente, como todos.

Tinham-se conhecido, 20 anos antes, em Angola. Ele, com 56 anos, estava viúvo e ela, com 30 anos, estava solteira.

O escritório ficava perto da alfaiataria e ele foi-a esperando à hora da saída, com a persistência suficiente para a fazer ceder a aceitar a boleia. O namoro foi curto. Casaram.

A lua de mel, dizia ela, consistiu em quinze dias consecutivos durante os quais a noiva não saiu do leito conjugal. Ali era servida por ele, de tudo o que precisasse.

Nós, as seis meninas da casa, ouviamos tudo o que ela agora nos contava. Ficávamos em silêncio, de ouvidos bem abertos. Depois, entre nós, quando nos reuniamos no nosso quarto, especulávamos, entre risinhos marotos, sobre o que lá se teria passado que justificasse tal reclusão da noiva. Acreditávamos que as razões tinham sido boas, pois a dona da casa contava-o com um misto de orgulho prazenteiro...

Apesar das suas diferenças, percebia-se que funcionavam bem no seu modelo de casal.

Tratavam-se com cuidado e atenção e respeitavam-se reciprocamente. Ela, dedicava-se-lhe cuidando-o, ouvindo-o com atenção e aderindo incondicionalmente às suas opiniões. Quase o adulava. Ele tratava-a respeitosamente.

Dela lembro-me das expicações rocambolescas que desenhava para as nossas maleitas- uma dor de garganta era explicada pelo chouriço que comemaramos na véspera e uma insdisposição digestiva resultava de uma corrente de ar... Coisas assim...

Já do senhor, muito mais inteligente, com um grande sentido de humor, recordo os serões em que adormecia no sofá em frente à televisão, enquanto assistiamos aos filmes que passavam na RTP, acordando depois do fim e perguntando, invarivelmente: "Já acabou? E então, a rapariga casou com o cavalo do rapaz?"

Digo que, garantidamente, a educação, a fineza, a delicadeza, o interesse, o afecto e a generosidade daquele senhor me marcaram para a vida.

Não me hei-de esquecer do dia em que completei 18 anos e, ao arrepio do habitual na casa, em que não havia o costume de se trocarem presentes de aniversário, ter encontrado em cima da minha cama um presente, oferecido por ele- um livro, "Quando os lobos uivam", de Aquilino Ribeiro.

Do mesmo modo, não me esquecerei de estar acamada, com gripe, fruto dos rigores do Inverno da zona, e de o senhor se ter preocupado comigo. Pela manhã, perante o meu estado febril, trouxe-me o pequeno almoço à cama, para que pudesse tomar a medicação. Não era costume.

Tinhamos todas o privilégio de sermos por ele paternalmente acarinhadas mas, julgo, perdoem-me a imodéstia, que eu era uma das suas predilectas. Parece-me que ele achava graça ao meu jeito de ser. Geralmente bem disposta, com sentido de humor e criando bom ambiente na casa. Comigo não havia divisões. Tinha ali amigas preferidas, mas relacionava-me sempre bem com todas e procurava diluir as intrigas que se iam criando. Além disso, beneficiava da circunstância de, sendo a mais nova que ingressei na casa, ser, em relação à idade, a mais adiantada nos estudos.

Na verdade, não sei as razões porque me sentia amada, mas sentia e isso era, e é, bom.

Hei-de contar mais coisas. Mas agora, vou-me estender uma "ropinha", expondo-me a um vendaval quase ciclónico. Ai, ai...

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

O prejuízo do pré-juizo

Questiono-me sobre o que já perdi na vida por me fechar ao mundo.

Acontece-me, com a maturidade, disponibilizar-me a conhecer coisas que rejeitaria, liminarmente, quando era mais nova e sinto que, com isso, tenho ganho. Mas, mesmo assim, ainda me vou recusando a fazer outras, com base no preconceito e, quase de certeza, perco ou, no mínimo, deixo de ganhar.

A este propósito, ocorre-me contar um episódio que experimentei, não há muito tempo.

Passava nas salas de cinema um filme cujo argumento me pareceu ridículo. Um bébé nascia velho e a sua vida evoluía no sentido da juventude. Acabaria na qualidade de recém-nascido ou, o que não deu para ver, como deseja Woody Allen, no seu "A minha próxima vida" passando "nove meses a flutuar num spa de luxo com aquecimento central, serviço de quartos à descrição e um quarto maior de dia para dia. E depois voilá! Tudo acaba com um orgasmo!!! ". Falo, já se aperceberam, do filme: "O estranho caso de Benjamin Button", de David Fincher.


Mas, como dizia, parecendo-me o argumento do filme um total absurdo, não equacionava a hipótese de gastar tempo e dinheiro numa sala de cinema a ver ridicularias.


Por conselho de uma amiga, dispus-me a fazê-lo.

Adorei. Enquanto assistia ao filme chorei "baba e ranho" e, no fim, vim encantada.

Claro que só ver aquele monumento humano que é o Brad Pitt, em ecrã gigante, já quase, só por si ,valia a pena... Mas, a sério, achei o filme, além de bonito (belíssima fotografia) filosoficamente genial.


Para quem não viu, resumiria a estória da seguinte forma. Uma criança nasce com caracteristicas de idoso (expressão facial, rugas na pele, etc.) e, à medida que o seu desenvolvimento avança, vai-se, progressivamente, tornando mais jovem , para finalmente se tornar um bébé, na fase em que o comum é atingir-se a velhice.


Para além de me ter chamado a atenção para a questão da real similitude, em muitos aspectos, da velhice com a infância (realidade que todos conhecemos), o espectáculo fez-me reflectir sobre a real importância de todos os que partilhamos, em simultâneo, esta vida, caminharmos na mesma direcção: da infância, para a velhice, passando por todos os estádios intermédios, juntos. Exactamente pela circunstância de nos podermos acompanhar experienciando situações similares.

É que, o personagem central, vivendo o tempo ao contrário, e aqueles com quem partilha a sua vida, passam por realidades ainda mais dificeis do que aquelas que conhecemos nas nossas vidas "normais". Estou a pensar, concretamente, numa das relações mais significativas que Benjamin tem, ao viver na sua juventude (a caminhar para a infância) uma maravilhosa relação amorosa, que se vai tornando impossível, à medida que o destanciamento etário evolui no sentido do afastamento dos dois amantes: ele cada vez mais jovem e ela cada vez mais idosa.

O personagem feminino morre, nessa altura já uma senhora anciã, e o masculino, então criança, entra num orfanato, por não ter ninguém significativo para o cuidar (nessa altura já não sabe quem é, nem de onde vem - parecido com a velhice, não é?).

Pude, ainda, analisar a estória sob outras perspectivas, como seja a da singularidade das relações humanas e da capacidade que elas têm de evoluir. O fogoso amor que uniu os dois personagens, transformou-se, progressivamente, num sentimento de terna protecção recíproca, quase até ao fim.

Por outro lado, deu-me para pensar que neste filme se trata também da peculiaridade de cada ser. Com efeito, a estória suscita esse aspecto ao acompanhar a evolução e as perspectivas daquele ser diferente e, embora não da forma que o filme demonstra, somos todos singulares, já no nascimento e depois, cada vez mais, pelo percurso que cada um faz. E eu acho isso fantástico. Embora não aprecie particularmente os exclusivos, já que são, por natureza, excludentes, adoro a originalidade de cada ser. Desculpem lá o egocentrismo: gosto mesmo de ser exemplar único!

As reflexões que um único filme, que eu tinha inicialmente excluido ver, me proporcionou...

Vêm por que digo que, muitas vezes, temos prejuízo por fazermos pré-juízos?

Arrisquemos. Ousemos ousar.








domingo, 5 de dezembro de 2010

O Paraíso

Tenho, para mim, que o paraíso é um lugar onde não há sofrimento, nem sacríficios.

No paraíso é tudo gozo, não sei se os que experimentamos na vida terrena ou, apenas, outros que a minha mente terráquea não consegue alcançar...

Mas imagino que o paraíso é todo forrado a gelado de côco e chocolate no Verão, lá do sítio, e bolo de côco, com molho de chocolate quente, no Inverno...

Ai que bom que vai ser!!!! Não se nota mesmo que me preparo para iniciar a dieta?

Oh Inferno terrestre!!!!

sábado, 4 de dezembro de 2010

Sensatez insensata, ou insensata sensatez?

Era uma vez uma pessoa muito sensata, que vivia sensatamente, rodeada de sensatos, no mundo da sensatez.

Um dia, a pessoa sensata, cruzou-se com uma pessoa insensata, que se mostrou sensata para iludir a sensatez da sensata que, por sua vez, se revelava insensata, tentando iludir a insensata, que se fazia passar por sensata.

Claro que a sensata sabia que a insensata, que se fingia sensata, também era, de facto, sensata. Da mesma forma, a insensata sabia que a sensata que se fazia insensata, era de facto um pouco insensata.

E nesta amálgama de sensatez e insensatez, simuladas e reais, as duas pessoas encontraram um ponto, o único ponto de equilibrio possível, em que se impunha uma sensata insensatez, ou, talvez, uma insensata sensatez. O que é que importa?

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Interior

Na entrada escura lobrigámos as escadas íngremes. Subimo-las lentamente, ao ritmo dos meus pais. O meu coração batia acelerado.

Dois lances e chegámos ao primeiro andar. No patamar havia duas altas portas de madeira, mas apenas um botão de campaínha que a minha mãe, decidida tocou fazendo-a emitir um som rouco. Estremeci.

Ouviram-se passos suaves, cada vez mais próximos até a porta se abrir. A minha mãe fez as apresentações: que eramos nós os que vinhamos recomendados pela prima. À dona da casa, pequena, magra, franzina, cabelos curtos e grisalhos e óculos, sobressaía um buço farto e escuro. Figura antipática, não esboçou sequer um sorriso, mas convidou-nos a entrar.

Mirei discretamente o local. Compreendi que a casa era antiga. Os tectos eram mais altos do que o habitual e mostravam bonitos trabalhos no estuque. O comprido corredor, ladeado de portas duplas, tinha termo numa porta de vidro de acesso à rua. Um espaço de quintal.

A minha mãe, sempre humilde e simpática, foi dizendo que sim, que sabiam que a casa era séria, pois se a prima a recomendara e ali tinha a sua própria filha. Só por isso ali me deixariam para poder prosseguir os estudos, já que o percurso diário entre a casa da familia e a cidade era impraticável, quase 40 Km de estrada sinuosoa, percorrida por caros e escassos transportes.

A dona da casa informou do preço e das regras. As meninas não tinham chave da casa. O quarto seria partilhado por três meninas, todas estudantes. Cada uma encarregar-se-ia de fazer a sua cama, cuidar da roupa e cozinhar para si própria. O jantar era às 20h, em família, na sala principal. Que havia uma escala indicadora das tarefas comuns - pôr e levantar a mesa, lavar loiça e fogão.

Enquanto falava dirigiu-se para a enorme cozinha, para a dar a conhecer. Achei o espaço estranho, muito diferente das outras cozinhas que conhecia. Tachos, panelas e frigideiras estavam expostos, na sua maioria pendurados, por cabo ou asa, nas paredes. Havia prateleiras, com outros utensílios de cozinha e compotas, emolduradas por fruta pendurada, peça a peça, por um fio preso ao caule. Maçãs e pêras às dezenas.

Fui ao quarto que habitaria, largar o saco de viagem, e ouvi o meu pai comunicar à dona da casa que me podia autorizar as saídas, fora das horas das aulas, por, dizia ele, ser coisa rara e se poder confiar em mim, pois eu era responsável (senti-me muito orgulhosa com o voto de confiança e, até hoje, nunca lhes dei a conhecer que o tinha ouvido, mas ainda ecoa). Em todo o caso, só com carácter muito excepcional e autorização expressa, após cabal justificação, a saída poderia ultrapassar as 21h - regra da casa.

Os meus pais despediram-se de mim com um beijo. A minha mãe, chorosa, fez as últimas recomendações e partiram.

Ficava entregue a mim própria. Tinha 15 anos e estava em auto-gestão.

Fiz a cama com os lençois que levara, arrumei as roupas nas gavetas e roupeiro, e sentei-me à espera. Esperava, mas não sabia o quê. Não conhecia ninguém, a cidade era-me igualmente desconhecida. Tinha de procurar o liceu, já que as aulas teriam início no dia seguinte e eu nunca lá tinha estado. Pedi indicações e segui-as.

Lembro-me de ter sido invadida por enormes sentimentos de solidão e tristeza, enquanto para lá me dirigia, a pé, atravessando um jardim...


Um dia conto mais. Agora tenho de ir ver se almoço, ai Jesus que vicieira de escrever coisas...

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Estupidifiquemos, pois

Fui surpreendida, há dias, em casa de amigos, por um espectáculo televisivo verdadeiramente degradante.

Já tinha ouvido falar no dito "Casa dos segredos", embora pouco, felizmente, mas o suficiente para saber que era coisa a evitar a todo o custo.

Os cerca de 20 minutos que gastei na observação daquele aquário, foram suficientes para sentir o meu coração apertadinho pelo sentimento de dó pelos participantes. Senti-me verdadeiramente compungida.

Naquele bocadito, deu para perceber que os que ali estão (ao que parece concorrendo a um prémio pecuniário) se encontram numa montra televisiva, durante 24 horas por dia, onde se expõem fisica e emocinalmente, a batalhões de sôfregos telespectadores que se entreteem com a vidinha alheia, em laboratório.

Aparentemente os concorrentes partilham o mesmo espaço para dormir e até o banho é exposto ao público.

Mas, como se o descrito não fosse suficientemente rasteiro, os ditos concorrentes são sujeitos a estímulos da produção do programa, que lhes vai impondo "actividades" (aquela a que assisti consistia numa sessão de "streep tease", depois de estarem com o espirito bem regado com bebidas alcoólicas), conseguindo criar verdadeiras bombas emocionais, com os consequentes comportamentos imponderados.

E o povo, alegre e contente, vai-se, assim, cultivando...

Valha-me S. Gervásio!!! Eu, que sou contra o lápis verde, chego a sonhar com ele.

Eu sei que o que acabo de dizer é uma heresia, mas como poderemos travar este tipo de indignidades e evitar a atrofia das mentes? É que aquela brincadeira não passa num qualquer canal de dificil acesso, não, é mesmo em canal aberto!

Já estou como dizia o outro: "a minha paixão é a educação"!!!