terça-feira, 31 de maio de 2011

Processo de decisão

Hoje, numa loja, vi um bonito vestido.
Entrei na loja por outra razão. Procurava uma peça de roupa que achava precisar e não era um vestido, mas ele estava lá.

Mês chato este, o carro tem de ir à revisão, é preciso pagar os subsídios de férias às empregadas domésticas (a minha e as da mãe); o IMI foi em Abril e regressa em Setembro; os colégios; há consultas médicas de especialidade...

Lindíssimo o vestido. Azul. Não é azulzinho céu, é mesmo azul. Talvez azul como o mar de Verão.

As férias estão aí. Convinha fazer alguns planos, mesmo que modestos. Há que pensar em cortar com a rotina, sair do sítio do costume, fazer coisas diferentes... e custa dinheiro...

Nem excessivamente senhoril, nem demasiado menineiro, excactamente "au point". Não, nada sexy. Detesto usar roupa exterior sexy. Recatadíssimo, mas muito bonito.

Nem quero pensar nas eleições de 5 de Junho e na miséria que vem a seguir. Vai ser bonito, ver os preços todos a aumentar, o salário a diminuir (pelo menos pela via dos impostos que sobre ele vão recair)...

É cai-cai, mas tem alças se lhas quiser pôr. São pretas, tal como o gorgorão de seda que o circunda por debaixo do peito com um laçarote, do mesmo tecido, à frente.

Na passada quinta, avariou o "inspirador", como diz a D. Filomena. Como se não bastasse ter avariado a máquina de lavar roupa no mês passado e logo dos rolamentos o que fez o senhor Zé Manel dizer: "Pois Dra. isto quando é dos rolamentos é um problema, está sujeita a pôr-lhe os rolamentos novos e logo a seguir ficar na mesma, se o veio já estiver torto..." Sei lá o que diabo é o veio. O que sei é que, pelo sim, pelo não, comprei outra máquina de lavar roupa. Quem é que vive, naquela lavandaria que é a minha casa, sem uma máquina de lavar roupa??

Tão lindo o vestido... a senhora faz-me um desconto... Se o comprar, vou parecer uma princesa.

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Reinvenção

Podendo reinventar-me-ia.
Não viveria destemperada meus delírios.
Agrilhoáva-os nas margens da sensatez.

Seria intensa e ardente? Não.
Mera melúria, morna brisa...

sábado, 14 de maio de 2011

Amigos

"Não te interesses pela quantidade, mas pela qualidade dos teus amigos", disse Séneca. Sábio pensamento este.

Se for possível beneficiar da graça de ter muitos e bons amigos, então, é "oiro sobre azul".

Não sei porquê a vida tem-me dado, de mão beijada, uma enorme quantidade de amigos de excelência. Amizades que surgem, paulatinamente, e que se vão cultivando com partilhas de risos, de choros, de cumplicidades, de entre-ajuda.

No momento difícil do fim da vida do meu pai tornei a dispôr do apoio solidário de tantos que me querem bem... Alguns fizeram comentários emocionados ao texto que publiquei nesta Almafada mas, como diz uma amiga, os comentários devem ter ido parar a Júpiter... (coisas transcendentes deste mundo virtual).

A todos quantos estiveram comigo, sob qualquer forma, neste momento doloroso agradeço, comovida, o vosso afecto. Eu não mereço tanto. Muito obrigada.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Louca Luanda

Nesta Luanda, em que moro agora, os dias estão tórridos e com sol intenso. Embora o calendário indique que se aproxima o Cacimbo, não se sente frio, só calor ardente. "Tempo falso", diz o senhor Keta, meu competentíssimo motorista durante estes dias, que cumpriu igual  função, há dois anos, quando cá estive.

Cheguei e fui recebida com a expressão: "Benvinda à selva", dita por portuguesa aqui residente.

Selva de cimento e lata, esta. Os arranha- céus crescem, como papoilas em seara alentejana, com arredores de bairros de lata - os musseques. Do terraço do hotel, em que estou instalda, avisto 34 gruas, que ajudam a erguer mais umas quantas torres de cimento, algumas defronte de belíssimos edificios coloniais que bordejavam a esplêndida baía de Luanda...

Viver aqui é infernal. O trânsito é inqualificável. Aliás, em rigor, quase não existe trânsito, porque os carros ficam literalmente parados, sem poder circular, de motor ligado, às vezes 10h sem saírem do mesmo lugar!!!

Qual trânsito! Carros estáticos, é o que é! Juro que não estou a exagerar- há dias houve pessoas que ficaram presas dentro dos carros, sem mexer um milimetro entre as 15h e a 1h00 do dia seguinte. Nesta cidade as estradas estão permanentemente cheias e há carros estacionados em terceira fila. Não há transportes públicos, salvo os "candongueiros", uma espécie de táxis colectivos (pequenas carrinhas onde cabe sempre mais um e em que o preço do transporte é mais baixo, se os passageiros tranportarem os sacos, na mão, pendurados do lado de fora da janela).

Quem mora nos arredores, como o senhor Keta, que vive a cerca de 20Km do centro, sai de casa às 4h, para entrar às 8h, demora, já a essa hora, 2h a chegar e dorme no carro mais duas, até entrar ao serviço. As pessoas saem dos empregos às 15h30 e, muitas, dormem no carro até às 23h ou 0h00, para depois irem a casa dormir mais duas horas e regressar à cidade. Pela manhã e pela tarde há muita gente a dormir em carros. Não, não é exagero, é mesmo assim!

Aqui a vida é caríssima - uma refeição normal, num restaurante sem luxo, custa €50. 

Circular nas ruas é arriscado, sob vários pontos de vista. Além de se poder ser assaltado, há forte probabilidade de torcer um pé nos diversos buracos e falta de calçada nas ruas. Ser-se atropelado a qualquer momento é muito fácil, já que há carros a espreitar pelo centro, pela direita, pela esquerda- basicamente por todo o lado- e muitas vezes não existem passeios para circular a pé, ou, existindo, estão pejados de carros estacionados e, assim, intransitáveis.

Ainda assim, desta vez, aventurei-me a pé entre a alfândega e o Instituto de Formação Bancária de Angola, onde ministrei a formação. Claro que da primeira vez que fiz o percurso a pé sózinha, face à minha avaria inacta de GPS, perdi-me e andei por aí a deambular por ruas nauseabundas, sob um calor de fugir, ainda antes da 8h30. Lá regressei à alfândega para pedir socorro. Depois disso não me voltei a perder e cá andei...

Ah, se vierem a Luanda, aconselho-os vivamente a não adoecer... É que, desta vez, calhou-me ter uma intoxicação alimentar e os muito zelosos colegas das alfândegas angolanas, receando - face aos sintomas - tratar-se de paludismo, levaram-me a uma clínica privada, a Clinica da Mutamba (sim, porque hospital público é de fugir-dizem eles) e lá esperei 4 h até ser vista por uma médica! Mas, feitas análises, concluiram que não, não tenho malária - Tks God!

Aspecto positivo: Todos me tratam como uma princesa!!! Os empregados do hotel, os funcionários dos serviços, o senhor Keta, os meus maravilhosos formandos. São todos excepcionais em cuidados e atenção para comigo. Encontrei, por acaso, alguns formandos de grupos passados e todos me fizeram uma festa. Outros, tendo tido conhecimento de que eu cá estava, procuraram-me para me cumprimentar. Que bom!

Todos me pedem que volte. Adorei trabalhar com este grupo. Foi a minha quinta turma de angolanos, e (aqui entre nós) pareceram-me os melhor preparados, os mais conhecedores da matéria que tratámos. Apresentaram-se-me cheios de dúvidas pertinentes e foi possível, durante estes quatro dias, criar uma dinâmica de trabalho muito gratificante.

Mais uma experiência para somar ao cardápio.

Bye, bye louca Luanda.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Pai ficaste, não partiste



Pai

Sobrevoo agora o Continente africano, rumo a Luanda. Vou, durante uns dias, viver naquela cidade onde moraste por cinco longos anos, entre 1956 e 1961. Foste, naquela altura, procurar melhor futuro para ti e para a já grande família pela qual  eras responsável. A vida na tua aldeia era pouco lucrativa para sustentar a grande prole – a mulher grávida e quatro filhos já nascidos.

O tempo que viveste em África foi de grande saudade para ti, para a mãe e para os meus irmãos já nascidos.
Não me hei-de esquecer do que a mãe contava: durante a tua ausência havia sempre cartas entre vós, nos barcos que faziam a travessia Lisboa/Luanda e Luanda /Lisboa. Mandaste sempre para a mãe o dinheiro que ganhavas. Era ela quem o geria, cautelosamente, assegurando a vida da família e guardando algum remanescente.

Trabalhaste, com um simpático gerente alemão, o senhor Klein, e um antipático patrão americano, o senhor Mac.

Voltaste à família em Janeiro de 1962, depois de teres visto a mortandade do 4 de Fevereiro de 1961. Passaste o reveillon no barco, onde decorrera grande festa, encabeçada por belgas, fugitivas do Congo.
 Trouxeste presentes para todos.

A mim, deste-me o presente da vida, quando me concebeste com a mãe no início de 1965, já depois de teres suportado mais um ano de separação da família, porque procuraste na capital novo rumo para a tua vida. 

Nas tuas ausências, a mãe enfrentava dificuldades: sempre guardiã das crianças que nasciam do vosso amor cultivava, cozinhava, costurava, lavava, enquanto morria de saudades de ti, durante os teus afastamentos (e tu dela).

Hei-de lembrar-me sempre do respeito que a tua figura me impunha, da dedicação e amor que trocavas com a mãe e do afecto e protecção que ambos nos ofereciam.

Estiveste comigo em todos os momentos da minha vida. Nos bons e nos maus. Deste-me tudo o que de bom um pai pode dar a um filho. Ensinaste-me, com o teu exemplo e por palavras, os teus bons valores: do trabalho, da seriedade, da honestidade, do amor, da solidariedade. 

Passaste-me, talvez geneticamente, a tua capacidade de ver além, a tua mente aberta, indiferente aos preconceitos. Foste um auto-didacta. Apesar da tua baixa instrução escolar, devoravas livros e estiveste sempre atento ao que se ia passando no mundo em que viveste.

Agora descansas. Tu, que sabias que a morte era a paz (nunca acreditaste no fogo do inferno -embora, se houvesse céu, eu esteja certa que lá estarias).

Sinto tristeza por não te ver e ouvir, mas sei que não partiste, estarás sempre connosco. Não estarás só nas nossas memórias e na genética, estarás na marca que nos imprimiste, aos teus já 28 descendentes directos ( o 29º está a caminho...).
Sinto alegria (sei que não te parece mal este sentimento) por teres tido a graça da morte que nos anunciavas desejar - suave e repentina. Vivias, ultimamente, com a preocupação de ficares no estado em que está a mãe – acamado e dependente. Generosamente, nem pensavas o que sofrerias com essa situação, apoquentavaste, sim, por considerares que nós, os sete filhos, que zelamos por vós, ficaríamos numa situação muito difícil com ambos 100% dependentes.

Tenho alegria, também, por saber que sabes (manifestaste-o muitas vezes) que eu e toda a tua família tudo fizemos para te apoiar à medida que foste perdendo as tuas capacidades (embora sempre tenhas feito tudo para te manteres autónomo).

Tiveste a felicidade de partir antes da mãe. Morrerias, mas de dor, se ela fosse primeiro (sabes? Podes ficar tranquilo, achamos que ela não sofreu, pelo menos muito, com a tua morte - ela já não entende.)

O teu corpo foi embora, já sem forças. Prolongaste a tua vida o mais que pudeste para não largares a mãe ao seu amargo destino. Suportaste dois anos exactos, depois da triste doença que a atirou para uma cama, sem poder falar e quase sem compreensão, e o que sofreste com isso… Certificaste-te que nós, os vossos filhos, cuidávamos dela com atenção e desvelo e há poucos dias tinhas-me dito: “Só peço que me dê uma coisa que me leve de uma vez, senão como é que vocês hão-de fazer para tratar dos dois? Assim, eu vou e vós ficais a tomar conta da mãe.”

Descansa em paz querido pai, nós ficamos, contigo no coração, a cuidar da nossa mãe.