segunda-feira, 27 de junho de 2011

Pachelbel, Canon in D (1 of 3), performed by Voices of Music

Renunciar

Faço frente às dores cravadas no peito como posso.
Enfrento ou contorno a angústia e o medo como sei.
Não me liberta o nada que sei do muito que me pesa a vida.
A mim, não me pertence ser feliz. Saberei renunciar à alegria e viver triste.
Renuncio, pois.

África é mulher

Bar Panorama - 21h55, esperando o jantar.

O tempo está magnífico. Dia quente, sem excesso. Brisa tépida, nada das ventanias já experimentadas.

Às 20h gozei a piscina. Escurecia e o aquário foi todo meu. Por momentos ocorreu-me que só lá faltavam as massinhas de letras, para se transformar numa enorme tina de canja salgada. Que maravilha...

Estou sentada num puff, completamente enterrada, depois de um banho gostoso: espuma, cremes e borrifos de cheiro a flores. Pelo ouvido esquerdo entra-me o som das mornas e, pelo direito, o da rebentação das ondas do mar.

Aqui estou, neste torpor, aproveitando mais um céu da existência, depois de muitas milhas num pássaro gigante.

Na barriga do pássaro, ao meu lado, viajava uma caboverdiana, de 65 anos. Regressava à terra, depois de lhe terem remendado o coração, em Lisboa. Não largou as contas do rosário nem o ranger dos dentes até à conversa que entabulámos.

Tagarelámos e aprendemos uma com a outra. Trocámos sorrisos, energias positivas e viemos melhores, as duas. Ensinou-me que tinha 56 irmãos, embora germana seja só uma (morreram-lhe dez). Os outros 55 são consanguíneos. Quando foi, aos 77 anos, o pai deixou na Terra 57 filhos vivos, de muitas mulheres.

Mulheres corajosas as africanas que conheço. Identifico-me com elas. Ousam abafar o medo e pegar a vida pelos cornos p'ra criar as crias que o amor lhes entrega.

De que massa seremos feitas, nós? Rasgamos montanhas, atravessamos mares, cravamos as garras na terra, criamos, amamentamos, e encontramos espaço para continuar a dançar, bamboleantes, o baile da sedução p'ra receber, qual terra encarnada de África, na nossa carne quente e húmida a fecunda rendição.

África é mulher.

sexta-feira, 17 de junho de 2011

A inventora

Na próxima vida quero ser inventora.
Inventora de inventos por inventar.
Vou inventar um descomplicómetro para se usar nos assuntos complicados, ou nos que, mesmo sem o serem, o aparentem.
Vou inventar uma máquina de fabricar sorrisos para carrancudos.
Uma poção de desamúo e um antídoto para amores desvalidos.
Uma fábrica de arcos-irís, que se vejam no escuro.
Mas, antes do mais, inventarei um tear onde serei tecedeira de um manto de seda, recheado de abraços e bordado a beijinhos, pr’a envolver o meu amor, enquanto descansa.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Eu não quero nada


Não sei se há sentido para a vida. Pelo menos não o conheço. Creio que não há.

 A vida é para ser vivida, como é, como calha, com tudo o que contém. Enquanto vou vivendo a minha, experimento um enorme antagonismo. Complicada eu. Complicada a minha vida.

Quando me lembro das dores de alma que já vivi (não das físicas, essas têm-se curado depressa) e atento nas que pereço, pergunto-me porque me rio. Vida atormentada, a minha. E eu navegando nela sem desistir. Com vontade, muitas vezes, de rir, cantar, brincar, dançar… Pondo de lado as lágrimas… às vezes com culpa, como se não tivesse direito à alegria que me resta.

Tenho alegria porque a mereço, porque a cultivo? Não, porque sucede. Acho que a alegria, ou a esperança dela, é o engodo que me anima.

Penso que a vontade de tornar a experienciar o contentamento não me deixa parar. Deve ser essa a explicação para tanta resiliência…

Mereço as dores que tenho? Também não, calham-me em sorte. Pudesse eu arcar com as dores dos meus e livrá-los, com isso, delas… e fá-lo-ia, mas nada. Eu não posso, ninguém pode. 

Não encontro soluções para as dores… tolero as minhas, doem-me muito mais as de outros… e eu, frágil, sem saber aliviá-las…

 De que sou feita? De um turbilhão de emoções, só.

Não, não sou forte, como me dizem. Qual fortaleza… Levo tanto à minha frente e, no entanto, é quase nada, pelo menos no que interessa.

Não, não tenho uma “aura”, como falam outros… qual aura??  

Tão inútil e a vida a empurrar-me, sem me deixar desistir, mesmo que queira.

E eu, o que quero? Sei lá se quero alguma coisa, parece haver algo que quer por mim. 

Eu não quero nada.